domingo, 10 de fevereiro de 2013

PER QUALCHE DOLLARO IN PIÙ (1965)



Per qualche dollar in più (For a few dollars more) é o segundo tomo da trilogia dos dólares, sequela com título bem esgalhado e um elenco em grande parte reincidente. O filme começa com um plano sequência onde avistamos, ao longe, alguém a cavalgar no meio de um vale. A paisagem é árida, remetendo para as recorrentes terras do Novo México. Na realidade, estamos no sul de Espanha. Pouco importa. Enquanto a sequência decorre, ouvimos um homem assobiar, um fósforo ser ateado, ouvimos o gatilho de uma arma e vemos uma ligeira nuvem de fumo. A perspectiva do espectador é a deste homem que não vemos. A cena cativa-nos, coloca-nos no lugar de alguém que supomos ser um caçador à espera da sua presa. O homem dispara como se fôssemos nós a disparar. Ao longe, a silhueta que seguia montada no cavalo é atingida e cai. O filme começa. Tratando-se de uma sequela, supomos que por detrás daquele disparo certeiro estará a estrela de A Fistful of Dollars. Ironia brutal, porque Leone nos coloca, enquanto público, no local do atirador. O atirador que dispara sobre o seu nome quando ele surge nos créditos com a forma de nuvem. Eastwood é a estrela, nós somos o público. Naquele momento identificamo-nos com o pistoleiro de calças pretas, cigarrilha ao canto da boca, um poncho sobre os ombros. Ou seja, o público é o pistoleiro que atira sobre a sua presa: o realizador. Apesar de uma caracterização praticamente igual, neste filme Eastwood tem nome e uma personalidade menos dúbia. É Monco, jovem caçador de prémios que cavalga de cidade em cidade à procura de criminosos que os sheriffs locais não ousam enfrentar. Estranha forma de vida, dirão. Mas existiu e, de algum modo, perdura nesse país onde, muitas vezes, a autoridade não se impõe com acutilante suficiência. Os cartazes com rostos de criminosos rematados pelo letreiro «procura-se, morto ou vivo» não foram uma ficção, embora o western tenha contribuído para caricaturar o fenómeno. Desta feita, o maior dos prémios recai sobre El Indio. O actor italiano Gian Maria Volonté (1933-1994), que tinha sido o terrível Ramón Rojo em A Fistful of Dollars, é agora o psicótico líder de uma quadrilha que tem por plano roubar o mais seguro dos bancos em El Paso. Quem faz parte desta quadrilha é Juan Wild, ou seja, o actor Klaus Kinski (1926-1991), pai de Nastassja Kinski e “enfant terrible” do cinema alemão. Os métodos desta quadrilha são em tudo semelhantes aos dos gangsters que viremos a descobrir no século XX ou aos das máfias da actualidade. Apesar de mais sujos, são igualmente ardilosos e calculistas. Podiam ser traficantes de droga ou de mulheres, podiam trabalhar na alta finança, podiam vestir os melhores fatos e frequentar as melhores discotecas, porque para mal dos nossos pecados perdura sempre no tempo o que de pior a sociedade gera. Desaparecidos do mapa estão esses destemidos heróis como Monco ou o velho Colonel Douglas Mortimer, representado por um aristocrático Lee Van Cleef. Antes de entrar neste filme de Leone, Van Cleef tinha interpretado imensos papéis secundários em séries televisivas e filmes, muitos deles westerns, tais como How the West Was Won (1962), The Man Who Shot Liberty Valance (1962), Ride Lonesome (1959), The Bravados (1958), ou Gunfight at the O. K. Corral (1957), sempre no corpo do vilão que tão rapidamente sai do ecrã quanto entra. For a few dollars more foi a sua oportunidade de imortalizar uma personagem, que aqui ladeia com a de Clint Eastwood numa aliança temperada com vários momentos de suspeita e dúvida, a suspeita e dúvida que sempre divide os homens quando entre eles se intromete a figura do dinheiro. Porém, no final do filme, ficaremos a perceber que, mais do que dinheiro, outras razões motivam o metódico caçador de prémios Douglas Mortimer na sua aliança com Monco para a captura de El Indio e do seu gangue. Monco e o Colonel Douglas Mortimer são as duas faces de um mesmo rosto, equilibram-se na sua assimetria. Personificam, porventura, dois modos de alcançar um mesmo objectivo. O primeiro mais pragmático, o segundo mais sofisticado. O primeiro fuma cigarrilha, o segundo fuma cachimbo. Monco usa um poncho e calça umas botas poeirentas, Colonel lê a Bíblia, veste uma bela casaca preta e calça umas botas devidamente engraxadas. Até no uso das armas se diferenciam, com o Colonel Douglas Mortimer carregando um “arsenal tecnológico” que contrasta com o prático revólver de Monco. É este contraste que sustenta o filme, numa eloquente representação do mundo do crime como ainda hoje o conhecemos.

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