Per qualche dollar in più (For a few dollars more) é o segundo
tomo da trilogia dos dólares, sequela com título bem esgalhado e um elenco em
grande parte reincidente. O filme começa com um plano sequência onde avistamos,
ao longe, alguém a cavalgar no meio de um vale. A paisagem é árida, remetendo
para as recorrentes terras do Novo México. Na realidade, estamos no sul de
Espanha. Pouco importa. Enquanto a sequência decorre, ouvimos um homem
assobiar, um fósforo ser ateado, ouvimos o gatilho de uma arma e vemos uma
ligeira nuvem de fumo. A perspectiva do espectador é a deste homem que não
vemos. A cena cativa-nos, coloca-nos no lugar de alguém que supomos ser um caçador
à espera da sua presa. O homem dispara como se fôssemos nós a disparar. Ao longe,
a silhueta que seguia montada no cavalo é atingida e cai. O filme começa. Tratando-se
de uma sequela, supomos que por detrás daquele disparo certeiro estará a
estrela de A Fistful of Dollars. Ironia brutal, porque Leone nos coloca,
enquanto público, no local do atirador. O atirador que dispara sobre o seu nome
quando ele surge nos créditos com a forma de nuvem. Eastwood é a estrela, nós
somos o público. Naquele momento identificamo-nos com o pistoleiro de
calças pretas, cigarrilha ao canto da boca, um poncho sobre os ombros. Ou seja,
o público é o pistoleiro que atira sobre a sua presa: o realizador. Apesar de
uma caracterização praticamente igual, neste filme Eastwood tem nome e uma
personalidade menos dúbia. É Monco, jovem caçador de prémios que cavalga de
cidade em cidade à procura de criminosos que os sheriffs locais não ousam
enfrentar. Estranha forma de vida, dirão. Mas existiu e, de algum modo, perdura
nesse país onde, muitas vezes, a autoridade não se impõe com acutilante
suficiência. Os cartazes com rostos de criminosos rematados pelo letreiro «procura-se,
morto ou vivo» não foram uma ficção, embora o western tenha contribuído para
caricaturar o fenómeno. Desta feita, o maior dos prémios recai sobre El Indio. O
actor italiano Gian Maria Volonté (1933-1994), que tinha sido o terrível Ramón
Rojo em A Fistful of Dollars, é agora o psicótico líder de uma quadrilha que
tem por plano roubar o mais seguro dos bancos em El Paso. Quem faz parte desta
quadrilha é Juan Wild, ou seja, o actor Klaus Kinski (1926-1991), pai de
Nastassja Kinski e “enfant terrible” do cinema alemão. Os métodos desta
quadrilha são em tudo semelhantes aos dos gangsters que viremos a descobrir no
século XX ou aos das máfias da actualidade. Apesar de mais sujos,
são igualmente ardilosos e calculistas. Podiam ser traficantes de droga ou de
mulheres, podiam trabalhar na alta finança, podiam vestir os melhores fatos e
frequentar as melhores discotecas, porque para mal dos nossos pecados perdura sempre
no tempo o que de pior a sociedade gera. Desaparecidos do mapa estão esses destemidos
heróis como Monco ou o velho Colonel Douglas Mortimer, representado por um aristocrático
Lee Van Cleef. Antes de entrar neste filme de Leone, Van Cleef tinha interpretado
imensos papéis secundários em séries televisivas e filmes, muitos deles
westerns, tais como How the West Was Won (1962), The Man Who Shot Liberty
Valance (1962), Ride Lonesome (1959), The Bravados (1958), ou Gunfight at the
O. K. Corral (1957), sempre no corpo do vilão que tão rapidamente sai do ecrã
quanto entra. For a few dollars more foi a sua oportunidade de
imortalizar uma personagem, que aqui ladeia com a de Clint Eastwood numa aliança
temperada com vários momentos de suspeita e dúvida, a suspeita e dúvida
que sempre divide os homens quando entre eles se intromete a figura do dinheiro. Porém,
no final do filme, ficaremos a perceber que, mais do que dinheiro, outras
razões motivam o metódico caçador de prémios Douglas Mortimer na sua aliança
com Monco para a captura de El Indio e do seu gangue. Monco e o Colonel Douglas
Mortimer são as duas faces de um mesmo rosto, equilibram-se na sua assimetria. Personificam,
porventura, dois modos de alcançar um mesmo objectivo. O primeiro mais
pragmático, o segundo mais sofisticado. O primeiro fuma cigarrilha, o segundo
fuma cachimbo. Monco usa um poncho e calça umas botas poeirentas, Colonel lê a
Bíblia, veste uma bela casaca preta e calça umas botas devidamente engraxadas. Até
no uso das armas se diferenciam, com o Colonel Douglas Mortimer carregando um “arsenal
tecnológico” que contrasta com o prático revólver de Monco. É este contraste
que sustenta o filme, numa eloquente representação do mundo do crime como ainda
hoje o conhecemos.
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