Na realidade, a identidade das personagens aparece
trocada neste trailer do último filme da trilogia dos dólares. O bom é, de
facto, Clint Eastwood, que fez o pleno na trilogia. Embora tenha ficado para a
história como “homem sem nome”, em todos os filmes a personagem de Eastwood tem,
pelo menos, uma alcunha. Neste, é tratado por Blondie. O mau é Lee Van Cleef, que
Leone havia recuperado para o cinema no filme anterior. Depois de interpretar
um sofisticado caçador de prémios, Van Cleef é agora um assassino a soldo. Já o
vilão surge pela primeira vez na trilogia. Trata-se do actor Eli Wallach, que antes deste western italiano tinha também entrado no inevitável How
the West Was Won (1962), de John Ford, e num magnífico western de John Sturges intitulado
The Magnificent Seven (1960). Eli Wallach é Tuco, um fora da lei procurado em
várias cidades, pela prática de múltiplos crimes, com quem Eastwood estabelece
uma surpreendente sociedade. A personagem de Tuco vem intensificar um elemento
que tinha marcado presença em For a Few Dollars More (1965), mas que em The
Good, the Bad and the Ugly (1966) adquire uma consistência dominadora. Refiro-me
ao humor. Não deixa de ser curioso que nestes filmes, tão apontados pela sua
extrema violência, o humor seja uma dominante. Leone é um realizador onde os
opostos se reúnem. Um pormenor que exemplifica e justifica este
sentido alquímico do cinema surge logo na cena inicial. Aquilo que parece
ser um plano geral transforma-se rapidamente num close-up, com o súbito aparecimento
de um rosto à frente da câmara. De resto, O Bom, o Mau e o Vilão é todo ele
pura alquimia. As sequências longas onde os olhares das personagens se cruzam,
ora desconfiados, ora perscrutadores, os diálogos que sustentam as manigâncias,
o sentido de humor e, sobretudo, os silêncios, são preliminares de um orgasmo
muito especial, o disparo. Esta alquimia que os filmes induzem,
com a música de Ennio Morricone a embalar os corpos, é de um erotismo perturbante,
um erotismo que se mistura com a morte numa conjugação ontológica essencial. Atentemo-nos,
a título de exemplo, ao “trielo” da sequência que encerra a saga:
Toda a sequência parece directamente copiada dos
ensinamentos cabalísticos que os egípcios legaram ao mundo da
filosofia. Com esta sequência, Leone compõe visulamente um Livro dos Mortos ocidental. Repare-se como os corpos dos três actores se posicionam dentro do
círculo, formando um triângulo. O cenário, por si só, tem um tremendo poder persuasivo.
Um cemitério é, afinal de contas, o local onde a vida adormece. É também, neste
caso, o refúgio de um tesouro perdido que os três homens almejam. A geometria
da sequência é perfeita. Um triângulo dentro de um círculo rodeado de morte. O
tempo, a vida, a morte e três homens interpretando-se, estudando-se,
auscultando-se ao som de uma composição épica que nos envia para uma espécie de
bacanal com orgasmos fatais. Nem é esquecido o pormenor de entregar ao morto os seus bens mais preciosos - chapéu e pistola -, para com eles seguir viagem na barca da morte - o túmulo. Nada disto tem que ver, como é óbvio, com
representações do antigo Oeste. Neste caso em concreto, apesar de serem
referidos locais geográficos reais, todos eles na região de Santa Fe, Novo
México, e de a narrativa ter como paisagem de fundo a Guerra da Secessão, com
batalhas entre os exércitos da União e os da Confederação, caminhas entre
ruínas e muitos corpos desperdiçados, neste caso, dizia, o mais relevante
parece ser o quadro grotesco em que a existência dos homens se cumpre. Sergio
Leone não estaria tão interessado em retratar uma realidade histórica que, para
ele, italiano, estava algo distante, como provavelmente estaria empenhado em
reproduzir, à sua maneira, a grande comédia da vida. A trilogia dos dólares, no
limite, não tem outro senão este efeito: deixar a ecoar dentro de nós, público,
as sombras ambíguas e paradoxais da verdade.
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