Entrando pelos olhos «a pé e de alma descuidosa»
Troquei o shampoo por qualquer químico activo e efervescente
Queria
Que me levasses no coração pelo Universo
Uma nave só de pele rançosa
Lepra progredindo
Um ódio crescente «seguiremos sempre lado a lado por todo o tempo que vivermos?»
«Dou-te a minha mão» o músculo que agora repugna
Pelos olhos a náusea da memória
E as superfícies encarquilhadas do Ser
Levá-las-ás entrando pelo olho do Universo!?
Queria
Um frigorífico um programa de máquina de lavar uma culpa
Um passaporte químico e a tal neve de pele poderosa «por todo o tempo» dá-me a tua mão
Levá-la-ás!? qualquer coisa realmente sórdida: quartos para alugar e a melodia do fim da estrada larga
«Há ali sentir demais...» «Que nenhum filho da puta se me atravesse nos teus versos como a multidão aos encontrões»
Entra pelos olhos o pó e o ruído deste saguão aqui «por todo o tempo que vivemos?» e o óleo e o cheiro a fritos
Dos teus Uni-versos por mim
Por dentro do quero dizer por baixo da pele que troquei: shampoo o tal químico activo e emoliente como a bolsa
Do líquido amniótico
Queria que me lavasses só a pele cancerosa
Usasses em mim o teu programa progredindo
Ora no Universo ora na guerra ora nas superfícies ocultas
Com violeta de genciana
Deixa sobre a mesa de cabeceira o dinheiro pústulas de ódio
Um salário
Qualquer coisa realmente
Qualquer coisa realmente proparoxítona por assim dizer mesquinha: um pacto
Mas não na nave do Amor aí não cometas o crime
Entrando pelo olho «a pé» «aos encontrões» até ao caroço são do Universo
Dá-me realmente a tua mão cheia
De lítotes e subentendidos ruídos
Soprados
Saxofónicos
Afinal comete o crime
Passa-me à máquina estas crostas saem estes rumores do asfalto de todas as estradas ulceradas d'oiro
Doce Amor por qualquer programa químico activo dos teus versos óleo que queime lenta-mente
Fim
Paulo da Costa Domingos, in Carmina 1971-1994, Edições Antígona, Lisboa, 1995, pp. 18-19.
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