Em Março de 1981, Paulo da Costa Domingos publicou na Frenesi, com capa de Victor Silva Tavares e uma fotografia de Paulo Nozolino, o título Vala Comum. Trinta e dois anos passaram sobre essa edição, quase tantos quantos são os anos contados por manuel a. domingos (n. 1977). Dá-se agora a coincidência de manuel a. domingos escolher para título do seu último livro a mesma expressão que deu título à obra de Paulo da Costa Domingos: Vala Comum (Medula, Março de 2013). O apelido dos autores, o mês da edição, o título, são demasiadas coincidências para não considerarmos aqui a forte possibilidade de uma qualquer conjugação astral responsável pelas ocorrências. Embora os livros se distanciem no conteúdo, aproximam-se também no carácter de edições quase caseiras, contracorrente, por assim dizer, em número de exemplares reduzido e de circulação comercial restrita. Sucede que se o primeiro era de poesia, revista posteriormente sob a forma aqui partilhada, é o segundo de prosa. Isto quer dizer apenas que são livros muito diferentes quer no conteúdo, quer na forma, não o sendo assim tanto, porventura, na atitude subjacente à sua concepção. Colocadas de lado quaisquer leituras comparadas, podemos, no entanto, vislumbrar um elo informal entre as duas publicações, e esse elo informal é o de uma assimilação natural das fontes, sem uma intenção epigonal ou sequer uma influência consciente de si mesma. Tendo-se confessado admirador da obra de Paulo da Costa Domingos, é até bastante provável que manuel a. domingos nunca tenha visitado a Vala Comum daquele. Resta saber se alguma vez visitou a sua própria Vala Comum. E aqui entramos no livro agora publicado, um exercício exegético autobiográfico onde o autor discorre, em cinquenta páginas, sobre assuntos mais ou menos “íntimos e partilháveis”. Das origens familiares, mantendo a mãe de fora, mas chamando o pai à liça, à formação política, da educação à formação cultural, da descrição de cenas absolutamente pueris à manifestação directa dos ódios de estimação, são vários os momentos onde o autor se expõe de um modo quase confessional, com uma escrita onde a ironia, o humor e a descontração disfarçam algumas debilidades narrativas. O autor assume contradições, coloca-se no centro da sua própria ironia, desimportantiza-se ao mesmo tempo que se transforma em personagem, contracena consigo próprio como quem se vê ao espelho deixando os outros ouvir o monólogo que mantém em silêncio. Curioso que um livro escrito durante três anos, segundo informa o próprio autor, possa ler-se em trinta minutos, correndo o leitor o risco, porém, de se deixar ludibriar pelo ritmo. É que tal como a poesia de manuel a. domingos revela mais no que fica por dizer, também este sermão às nuvens nos circunscreve a perspectiva com a ilusão de tudo mostrar. Esta ilusão torna-nos desconfiados quando no centro do discurso descobrimos uma tendência aforística que oscila entre a coloquialidade de um pensamento vulgar e estereotipado - «não precisamos dos filósofos para nada. São uma boa cambada de inúteis» (p.29), «vivemos numa Democracia frouxa, que trata a escumalha com paninhos quentes» (p. 46) – e o suposto cinismo de um olhar algo desencantado - «Segundo alguns, a História é feita de vencedores e de vencidos, mas apenas escrita pelos vencedores. E nós, como todos sabemos, estamos num país cheio de vencedores. Daí a nossa História ser tão complicada» (p. 10), «É claro que as máquinas digitais vieram democratizar a fotografia. Como é óbvio a democratização de algo nem sempre é uma coisa boa e isso aconteceu com a fotografia: qualquer um pode ter acesso a uma máquina fotográfica digital e armar-se em Robert Capa» (p. 13). Parece-me que estas oscilações de tom, não obstante a futilidade dispensável de algumas alusões, estão de acordo com uma dimensão dramática que o texto pretende assumir. Daí termos falado anteriormente em palco e monólogo, pois facilmente imaginamos este texto levado à cena e representado enquanto um homem faz a barba, bate uma, mija sentado, acções quotidianas comuns que necessitam de ser revistas à luz da sua real importância inspiratória. Quem dizia que as melhores ideias lhe surgiam durante o banho?
segunda-feira, 25 de março de 2013
VALA COMUM
Em Março de 1981, Paulo da Costa Domingos publicou na Frenesi, com capa de Victor Silva Tavares e uma fotografia de Paulo Nozolino, o título Vala Comum. Trinta e dois anos passaram sobre essa edição, quase tantos quantos são os anos contados por manuel a. domingos (n. 1977). Dá-se agora a coincidência de manuel a. domingos escolher para título do seu último livro a mesma expressão que deu título à obra de Paulo da Costa Domingos: Vala Comum (Medula, Março de 2013). O apelido dos autores, o mês da edição, o título, são demasiadas coincidências para não considerarmos aqui a forte possibilidade de uma qualquer conjugação astral responsável pelas ocorrências. Embora os livros se distanciem no conteúdo, aproximam-se também no carácter de edições quase caseiras, contracorrente, por assim dizer, em número de exemplares reduzido e de circulação comercial restrita. Sucede que se o primeiro era de poesia, revista posteriormente sob a forma aqui partilhada, é o segundo de prosa. Isto quer dizer apenas que são livros muito diferentes quer no conteúdo, quer na forma, não o sendo assim tanto, porventura, na atitude subjacente à sua concepção. Colocadas de lado quaisquer leituras comparadas, podemos, no entanto, vislumbrar um elo informal entre as duas publicações, e esse elo informal é o de uma assimilação natural das fontes, sem uma intenção epigonal ou sequer uma influência consciente de si mesma. Tendo-se confessado admirador da obra de Paulo da Costa Domingos, é até bastante provável que manuel a. domingos nunca tenha visitado a Vala Comum daquele. Resta saber se alguma vez visitou a sua própria Vala Comum. E aqui entramos no livro agora publicado, um exercício exegético autobiográfico onde o autor discorre, em cinquenta páginas, sobre assuntos mais ou menos “íntimos e partilháveis”. Das origens familiares, mantendo a mãe de fora, mas chamando o pai à liça, à formação política, da educação à formação cultural, da descrição de cenas absolutamente pueris à manifestação directa dos ódios de estimação, são vários os momentos onde o autor se expõe de um modo quase confessional, com uma escrita onde a ironia, o humor e a descontração disfarçam algumas debilidades narrativas. O autor assume contradições, coloca-se no centro da sua própria ironia, desimportantiza-se ao mesmo tempo que se transforma em personagem, contracena consigo próprio como quem se vê ao espelho deixando os outros ouvir o monólogo que mantém em silêncio. Curioso que um livro escrito durante três anos, segundo informa o próprio autor, possa ler-se em trinta minutos, correndo o leitor o risco, porém, de se deixar ludibriar pelo ritmo. É que tal como a poesia de manuel a. domingos revela mais no que fica por dizer, também este sermão às nuvens nos circunscreve a perspectiva com a ilusão de tudo mostrar. Esta ilusão torna-nos desconfiados quando no centro do discurso descobrimos uma tendência aforística que oscila entre a coloquialidade de um pensamento vulgar e estereotipado - «não precisamos dos filósofos para nada. São uma boa cambada de inúteis» (p.29), «vivemos numa Democracia frouxa, que trata a escumalha com paninhos quentes» (p. 46) – e o suposto cinismo de um olhar algo desencantado - «Segundo alguns, a História é feita de vencedores e de vencidos, mas apenas escrita pelos vencedores. E nós, como todos sabemos, estamos num país cheio de vencedores. Daí a nossa História ser tão complicada» (p. 10), «É claro que as máquinas digitais vieram democratizar a fotografia. Como é óbvio a democratização de algo nem sempre é uma coisa boa e isso aconteceu com a fotografia: qualquer um pode ter acesso a uma máquina fotográfica digital e armar-se em Robert Capa» (p. 13). Parece-me que estas oscilações de tom, não obstante a futilidade dispensável de algumas alusões, estão de acordo com uma dimensão dramática que o texto pretende assumir. Daí termos falado anteriormente em palco e monólogo, pois facilmente imaginamos este texto levado à cena e representado enquanto um homem faz a barba, bate uma, mija sentado, acções quotidianas comuns que necessitam de ser revistas à luz da sua real importância inspiratória. Quem dizia que as melhores ideias lhe surgiam durante o banho?
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1 comentário:
"Vala Comum2 foi também uma editora de António Aragão, que nos anos 90 teve um espaço na Lapa em lisboa, que funcionou como galeria e sala de espétaculos a " Ara-Vala Comum" ;)
http://domadordesonhos.wordpress.com/2012/08/31/um-espaco-para-o-companheiro-antonio-aragao/
bjs para toda a tribo
Maria joão
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