quarta-feira, 3 de abril de 2013

EL DORADO (1966)




O humor é um dos elementos mais subvalorizados no western. No entanto, tem sido tão recorrente no género como qualquer outro elemento. Mestre John Ford (1894-1973) nunca prescindiu das suas figuras picarescas, dos “gags” inofensivos, de algumas personagens cuja presença não era senão pausar a tensão entre sequências. Sem nos distraírem do essencial, estas personagens permitem momentos de descontracção numa paisagem geralmente agressiva e árida. Howard Hawks (1896-1977), especializado na chamada comédia ligeira, conseguiu em alguns dos seus filmes um equilíbrio inigualável entre os pólos trágico e cómico da existência. Em El Dorado (1966) recupera a figura do Sheriff alcoólico, que já conhecíamos de Rio Bravo (1959), destroçado por uma paixão falhada e pela traição de uma jovem mulher.
Os heróis de Hawks são homens humanamente falíveis, débeis, perdidos algures num pântano de dúvidas, dilemas, arrastados pelo vício de que são as principais vítimas. Há qualquer coisa de romântico nestas figuras autodestrutivas. Tanto o Robert Mitchum de El Dorado como o Dean Martin de Rio Bravo (na realidade, era apenas delegado) encarnam na perfeição essa imagem cativante do homem responsável pela lei que se encontra desorientado. Eles são, ao mesmo tempo, o caos e a ordem, a coragem e o abandono, mais desistidos de si próprios do que da missão para a qual foram eleitos. A sua poesia é a dos anti-heróis. Têm, por isso, tanto de trágico como de cómico. São trágicos porque sofrem e fazem sofrer, cómicos porque o seu sofrimento nos parece anormal. Fazem-nos sorrir de ternura.
Não admira que Hawks os exponha ao lado de mulheres fatais, mesmo que não tenham sido essas a causa do desassossego que os assola. Note-se o quão eróticas são as gargalhadas de Charlene Holt, muitas vezes filmada em trajes menores, ou quão sensual se apresenta a cabeleira desgrenhada de Michele Carey. De resto, o tiro que esta dá pelas costas a John Wayne é um dos momentos mais simbólicos da obra de Hawks. Misógino ou simplesmente romântico, Hawks atribui às mulheres um poder que relativiza nas personagens masculinas. Elas são determinadas e raramente vacilam no eixo das suas decisões, eles enredam-se em incertezas que os tornam ambíguos e cheios de perplexidades.
É esta a dimensão mais relevante de El Dorado,  filme onde um Sheriff alcoólico e um pistoleiro a soldo, amigos de longa data com percursos de vida diferentes, mas não antagónicos, unem-se em defesa dos mais fracos num conflito que opõe dois rancheiros. A eles junta-se um jovem de nome impronunciável, conhecido por Mississippi, que não sabe disparar uma arma mas é um sinal de modernidade entre duas figuras clássicas.  James Caan (o actor de que toda a gente se recordará como o escritor torturado de Misery – O Capítulo Final) é o jovem de serviço que vai recitando um poema de Edgar Allan Poe ao longo do filme, numa cidade com um nome que sugere um tesouro por encontrar. Talvez esse tesouro seja o da verdade e da justiça, talvez seja a água que os rancheiros disputam, talvez seja o cabelo de Michele Carey ou as gargalhadas de Charlene Holt. Ou talvez seja, tão-simplesmente, o fim de um ciclo representado nas personagens de John Wayne e Robert Mitchum, o começo de um outro na personagem de James Caan.
Passado e futuro reproduzem-se noutros rostos deste western tragicómico, como testemunho de um tempo onde os homens ainda tentavam encontrar-se a si próprios. E esse era, ao fim e ao cabo, o seu maior tesouro.

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