domingo, 25 de agosto de 2013

MÉCIA



Imperdível, a última edição do Jornal de Letras, Artes e Ideias. Coloca na capa Mécia de Sena, uma senhora que poucos conhecerão. Não é grave. Mais grave será que nunca tenham sequer ouvido falar do marido, o poeta, ensaísta, escritor Jorge de Sena. Um dos mais influentes e relevantes que o séc. XX nos deu, a par de Fernando Pessoa, Ruy Belo ou Herberto Helder. Curiosamente, este número oferece-nos duas cartas inéditas da correspondência trocada entre Ruy Belo e Jorge de Sena. A reportagem de Luís Ricardo Duarte junto da viúva do escritor é exemplar. Mécia continua a viver em Santa Bárbara, na Califórnia (EUA), para onde se deslocou a família em 1970. O exílio de Jorge de Sena iniciara-se em 1959, no Brasil. Só regressou a Portugal em 2009, para passar a residir no Cemitério dos Prazeres. Estamos certos de que em boa companhia. Deixo um breve excerto da reportagem e, no final, a minha singela homenagem:

 

O estatuto de confidente literária do marido reforçou-se com a disponibilidade de Mécia para as questões práticas. Mesmo dando aulas, cuidando dos filhos e frequentando a universidade em Lisboa, onde o casal se fixou, arranjava sempre tempo. Aprendeu rapidamente a datilografar e os textos que saíam da pena do escritor voavam diretamente para o teclado da sua máquina de escrever. Foram anos e anos de trabalho conjunto, poemas, contos, ensaios, conferências e artigos de jornal. O empenho que hoje dedica a rever inéditos e a caçar gralhas em livros já publicados é igual ao que aplicava, horas a fio, sentada a passar a limpo a escrita do marido. “Comecei quando ainda namorávamos. Por isso, quando nos casámos, estava treinadíssima”, brinca.

 
 

JORGE A MÉCIA DE SENA

 

Esta noite sonhei contigo. Não foi bem contigo.
Sonhei sozinho no teu nome, enquanto circulava
num supermercado junto à área hortofrutícola.
Em vez de vegetais, as arcas expunham livros
coloridos com o teu nome na capa. O teu nome
inscrito como se fosse o veio de uma folha, a raiz
de um vegetal fresco. E eu peguei nos livros,
pesei-os, levei os que me pareciam mais frescos
para uma salada à hora de almoço, a mesma
em que te vejo à janela recolhendo a roupa
do estendal, perdendo algumas molas, refilando
com os dedos desastrados para os arames,
mas tão suaves para prosas quebradas em verso.

 

Henrique Manuel Bento Fialho, in A Dança das Feridas, Janeiro de 2011, p. 37.

1 comentário:

Pedro Góis Nogueira disse...

Acabei a semana passada de ler o "Sinais de Fogo" e, sinceramente, não me lembro de ler um romance que me marcasse tanto (ainda por cima inacabado) desde que há uns bons anos li a "Viagem ao Fim da Noite" do Céline. Como cheguei tão tarde a ele é que é daquelas coisas...Já tinha lido uma antologia de contos e outra de ensaios de Jorge de Sena (ou seja, praticamente nada) e ninguém vai preparado para um romance daqueles...:)