Apesar de ter sido oscarizado pelo
desempenho em True Grit/A Velha Raposa (1969), julgo que o grande momento na carreira
de John Wayne acontece em The Searchers/A Desaparecida (1956).
Quando fizeram este filme, Wayne e John Ford (1894-1973) já tinham trabalhado
juntos em muitos outros. Lembremos Rio Grande (1950), She Wore a Yellow
Ribbon/Os Dominadores (1949) e Fort Apache/Forte Apache (1948), a
chamada Trilogia da Cavalaria. Esta parceria, que tanto deu que falar, atingiu
no filme de 56 uma simbiose perfeita. Ver John Wayne a representar não é apenas
assistir à encarnação de uma personagem. Trata-se de um caso em que o actor se
transformou ele próprio numa personagem. Daí que muitas vezes nos sintamos
tentados a admitir que os papéis de Wayne são sempre os mesmos em todos os seus
filmes, porque em todos eles repete uma postura facilmente
identificável. É possível que True Grit tenha sido um Oscar de carreira, mas em
The Searchers John Ford desmaquilha John Wayne, consegue torná-lo tão seco como
a poeira de Monument Valley, arrancando-o do Olimpo mitológico do Velho Oeste e
colocando-o ao nível dos homens vulgares. Ou seja, transforma-o num actor de
corpo inteiro. Nada há de divino na figura de Ethan Edwars, o homem que procura
duas sobrinhas capturadas por um grupo Comanche chefiado pelo vingativo Scar
(Cicatriz). O nome do chefe Comanche adquire aqui um simbolismo especial, na
medida em que toda a história se desenrola em torno das cicatrizes deixadas
pelos conflitos armados que fomentaram ódios, medos, desejos de vingança entre
autóctones e colonos. Ford oferece a Wayne um papel onde ele consegue expressar
as emoções de um rosto demasiadamente tipificado, da preocupação ao ódio, da
raiva à desilusão, da esperança à perseverança, da ironia à sageza. Desde que
regressa a casa do irmão Aaron até ao reencontro com a sobrinha Debbie (Natalie
Wood), Ethan Edwards como que se vai redescobrindo a si próprio, as emoções
soltam-se-lhe do peito e emergem ao rosto, deixando-o inclusive sem palavras
perante uma crueldade que a câmara sugere mas nunca mostra. Porque o que
interessa neste The Searchers é descobrir nos rostos dos actores o que a câmara
se recusa mostrar. Para o efeito contribui bastante a interação com o sobrinho
adoptado Martin Pawley (Jeffrey Hunter), um mestiço criado pela família Edwards que cumpre ao
lado de Ethan a saga do resgate. Sucede que Martin é um jovem onde uma certa
ingenuidade ainda não aniquilou a esperança, ao passo que Ethan parece ter
sucumbido aos pés da maldade que carrega na memória e vai observando diariamente.
O que Ethan reencontra, quando finalmente levanta no ar a sobrinha mais
nova, única sobrevivente do ataque índio, é o sentido da palavra esperança.
Porque se foi perseverante o suficiente para não desistir da encontrar ao longo
dos anos, parecia já se ter conformado com a probabilidade de não vir a
encontrar o que perdera mas algo completamente diferente. Algo transformado
pelo tempo e pelas circunstâncias. O primeiro e o último planos do filme
ligam-se por isto mesmo. Ford coloca a objectiva no interior de uma casa, abre
a porta e mostra-nos o exterior. No primeiro plano, a cunhada de Ethan aparece
de costas para nós. No último, Ethan aparece de frente. Aproxima-se da entrada, mas não chega a entrar. Volta-nos as costas e segue. Este movimento onde o interior de um espaço de recolhimento é invadido
pelo exterior, induz aquela condição que leva o tempo a sarar feridas onde
perdurarão cicatrizes indisfarçáveis. Tudo isto faz deste um filme muito
especial, um filme que procura compreender a origem de uma cicatriz a partir do
rosto de um homem ao mesmo tempo confiante e desesperado. Esse homem é Ethan Edwars,
provavelmente o melhor John Wayne.
2 comentários:
Há dois westerns dos quais gosto muito e que talvez possam merecer a sua crítica se ainda não foi o caso:
"Little big man", de Artur Penn
com Dustin Hoffman 1970
"Pale rider", com Clint Eastwood
o realizador talvez seja ele próprio mas não sei
Sobre o último, escrevi aqui:
http://universosdesfeitos-insonia.blogspot.pt/2012/12/pale-rider-1985.html
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