quarta-feira, 25 de setembro de 2013

ÁLVARO MUTIS (1923-2013)


UN BEL MORIR

De pé numa barca parada no meio do rio
cujas águas passam em lento remoinho
de lodos e raízes.
o missionário abençoa a família do cacique.
Os frutos, as jóias de vidro, os animais, a selva,
recebem os breves sinais da bem-aventurança.
Quando descer a mão
terei morrido no meu quarto
cujas janelas vibram à passagem do comboio
e o leiteiro virá em vão pelas garrafas vazias.
Para esse momento ficará bem pouco da nossa história,
alguns retratos em desordem,
umas cartas guardadas não sei onde,
o que foi dito naquele dia ao despir-te no campo.
Tudo se irá desvanecendo no esquecimento
e o grito de um macaco,
o fluir esbranquiçado da seiva
pela ferida casca do látex,
o chapinhar das águas contra a quilha em viagem,
serão assunto mais memorável do que os nossos longos abraços.

trad. Nuno Júdice


Nasceu em Bogotá (Cundinamarca). Poeta e romancista. Realizou os seus primeiros estudos em Bruxelas. De regresso à Colômbia viveu por temporadas numa herdade de café na região do Tolima. Segundo ele próprio afirma, toda a sua obra está destinada a celebrar e perpetuar esse território. Poesia exuberante, povoada de rios caudalosos e embravecidos, nela a linguagem flui misteriosa. A sua carreira literária começou em 1948 com a publicação em Bogotá de La balanza, seu primeiro livro de poemas, mas a edição desapareceu nas chamas dos incêndios de 9 de Abril de 1948, data em que foi assassinado o candidato presidencial Jorge Eliécer Gaitán. Nunca participa em política e declara-se monárquico. É um dos poetas mais importantes da América latina e como tal recebeu as mais altas distinções: Premio Príncipe de Astúrias das Letras 1997, Premio Reina Sofia de Poesia Iberoamericana 1997 e Premio Cervantes 2001. É grande amigo de Gabriel García Márquez e o primeiro leitor dos seus rascunhos. Vive no México desde 1956.

In Um País que Sonha - cem anos de poesia colombiana, org. Lauren Mendinueta, trad. Nuno Júdice, Assírio & Alvim, Março de 2012.

Sem comentários: