Quando recebeu, em 1992, um Golden Boot Award (prémios
que celebram o género Western), John Sturges (1910-1992) contava com um
reportório invejável no domínio do Velho Oeste. Já me referi anteriormente a
Gunfight at the O.K. Corral/Duelo de Fogo (1957) e a The Magnificent Seven/Os Sete Magníficos (1960), mas se olharmos para a sua filmografia ficaremos impressionados
com a quantidade e a qualidade dos westerns que realizou. São exemplo The
Walking Hills/Os Aventureiros do Deserto (1949), Escape From Fort Bravo/A Fuga
de Forte Bravo (1953), Backlash (1956), The Law and Jake Wade (1958) ou Last
Train from Gun Hill/O Último Comboio de Gun Hill (1959). Vejamos Escape From
Fort Bravo/A Fuga de Forte Bravo (1953). Com um argumento escrito por Frank
Fenton, que trabalhou também para grandes mestres como John Ford e Henry
Hathaway, este filme não fica atrás de nenhum dos da "trilogia da cavalaria"
fordiana. Estamos em 1863, em plena Guerra da Secessão, no território do
Arizona. Fort Bravo é uma espécie de campo de concentração para prisioneiros
confederados. O território está densamente povoado por mescaleros, temíveis
guerrilheiros Apache que não olham a fardas, sejam elas azuis ou cinzentas. No
centro das atenções encontraremos o Capitão Roper, superiormente interpretado por
William Holden - falámos dele a propósito da obra-prima de Sam Peckinpah
(1925-1984): The Wild Bunch/A Quadrilha Selvagem (1969). O filme começa com a
chegada do capitão ao Fort, arrastando, puxado por uma corda, um
prisioneiro confederado que tentara fugir. Em meia dúzia de minutos, a
personalidade do capitão Roper fica traçada: militar inflexível, homem duro
como uma pedra, mas com um curioso sentido de humor que nos permite supor nas suas
atitudes um certo desprezo pela humanidade e uma noção do absurdo que contamina
a existência. O filme desenrola-se em torno deste personagem, a partir de uma cena
inicial que nunca mais o abandonará. Até porque o prisioneiro que ele traz
amarrado a uma corda, como exemplo de implacabilidade para com os cativos, desempenhará um papel determinante a breve trecho. Entre as
paliçadas que retêm os prisioneiros, um grupo de três homens organiza
pacientemente a fuga. Ajudados pela amante de um deles, que chega ao Fort Bravo
disfarçada, conseguem fugir. A fuga não seria possível sem a intervenção desta mulher,
de seu nome Carla (Eleanor Parker), que nos propósitos de distrair o
Capitão Roper acaba por se apaixonar por ele. A relação improvável revelará o
outro lado do Capitão Roper, um lado humano, onde se esconde alguém que
cultiva rosas nas traseiras dos seus aposentos para não esquecer a vida com que
sonha. Um homem que, afinal, preserva um belo sorriso por detrás do rosto rígido
com que procura manter a ordem e enfrentar o inimigo. Um dia fará sentido que
no meio de tanta beleza um grupo de homens se tentem matar num desfiladeiro, desabafa
o capitão, em tom de lamento, depois de um confronto com os mescaleros.
Após a fuga de Fort Bravo, os três soldados confederados, na companhia de Carla
e do prisioneiro que inicialmente chegara ao Fort puxado por uma corda, acabam
por ser recapturados por Roper. Entraremos, então, numa segunda fase da
narrativa, em que os inimigos se reaproximam para combaterem uma ameaça comum:
índios. Mas se este elemento narrativo tem um interesse relativo quando
comparado com inúmeros outros westerns, o mesmo não podemos afirmar do encontro
singular entre o Capitão Roper e Bailey (John Lupton). Bailey é o jovem confederado
que vimos ser violentamente arrastado na cena inicial. Duas vezes em
fuga, duas vezes capturado. Traído pela cobardia, pelo medo, argumenta que
há algo melhor na vida do que ser um durão, há coisas muito melhores do que
procurar ser herói. E escreve poemas. Chegamos mesmo a ouvir um deles, lido
pela voz do Capitão Roper:
Não sei
Dizem os axiomas e as fábulas
A fé era uma mancha de sangue
Onde um herói tombou
Ou seria uma selva
Onde duas crianças passeavam
À procura de violetas
De minhocas e de Deus?
Este poema, que é todo um exorcismo sobre os horrores da
guerra, recoloca a coragem de Roper face à cobardia de Bailey. Afinal, um tem
por fora o que o outro traz por dentro. E vice-versa. São mais parecidos do que
julgamos. O heroísmo de Roper é a sua poesia, versos regados como as rosas que
crescem nas traseiras dos aposentos, sonhos alimentados com pequenos
gestos, um tipo de vida com que sempre sonhou e nunca conseguiu. A cobardia que
impede Bailey de chegar à Virgínia, onde o esperam uma pequena ponte de pedra e
o riacho que sob ela corre, acaba por ser tanto a sua salvação como a salvação
de Roper. A esse reconhecimento assistiremos no final, depois de uma cena onde
a tensão da guerra é filmada com uma economia de recursos inacreditável e superiormente
eficaz.
Um agradecimento final: pude rever este filme graças à
generosidade do amigo Carlos Gaspar, que descobriu este meu gosto pelo western
e me fez chegar uma mão cheia de bons filmes para acrescentar a esta lista
muito pessoal de 50 westerns que deve ver antes de morrer.
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