domingo, 22 de setembro de 2013

DODGE CITY (1939)

Com 580 salas de exibição, a Hungria teve uma produção muito abundante mas quasi sempre medíocre. O produtor Korda, o realizador Fejos, Michael Kertesz, que nos Estados Unidos se passou a chamar Curtiz, o argumentista e teórico Béla Balász, deixaram Budapest, logo que as suas personalidades se afirmaram, tal como uma plêiade de excelentes operadores de imagem e actores, para se instalar nos estúdios franceses, alemães, americanos, ingleses…
Georges Sadoul
Serve a epígrafe para introduzir Michael Curtiz (1886-1962), de seu verdadeiro nome Manó Kertész Kaminer, conhecidíssimo por sucessos internacionais tais como As Aventuras de Robin dos Bosques (1938) ou Casablanca (1942). É o segundo realizador de origem húngara que referimos nesta série dedicada ao western. O primeiro foi André de Toth, a propósito de Day of the Outlaw/Homens de Gelo (1959). Curtiz percorreu todos os géneros, denotando sempre uma preocupação comercial que não descurava outras dimensões da arte cinematográfica. Jean Tulard refere, a título de piada, os seus lapsos históricos com a língua inglesa: «Às voltas com uma cena de convento, pediu ao seu assistente amedrontado que lhe providenciasse para o dia seguinte twenty monkeys (macacos) ao invés de twenty monks (monges)». Tais lapsos não se vislumbram com facilidade nos seus filmes, sejam eles de horror, de guerra, comédias, policiais ou westerns. Neste domínio, um dos momentos mais inspirados deu-se com Dodge City/Vida Nova (1939). O filme tem no papel principal Errol Flynn, actor que Curtiz soube explorar como mais ninguém. Tantas vezes referida, pensada e reflectida a relação de Ford com John Wayne, seria igualmente interessante tentar perceber este casamento entre o autor de The Perfect Specimen/O Homem Perfeito (1937) e o galã dos filmes de espadachins. Dodge City, tal como o título indica, tem no centro da sua acção uma cidade. São muitas as cidades do Velho Oeste que o cinema norte-americano elegeu como santuários de uma era mítica. Dodge City é uma delas, localizada no estado do Kansas, derradeira fronteira do universo cowboy. Ainda hoje é conhecida como a capital mundial dos cowboys. Curtiz desenha uma caricatura do nascimento da cidade, exagerando nos comportamentos desordeiros e no ambiente caótico que ali se vivia antes da lei e da ordem serem instauradas. O comércio de gado ofereceu à cidade uma dinâmica para a qual as populações da segunda metade do século XIX não estavam preparadas, com tiroteios frequentes entre grupos rivais vindos do Norte e do Sul. Bares e locais de diversão cuja função seria desempoeirar os heróis que atravessavam o país guiando manadas infindáveis de gado bovino, transformaram-se no palco privilegiado do mundo do crime. Mas eram também o último reduto das feridas deixadas pela Guerra Civil. Este ambiente proporcionou o aparecimento dos senhores da ordem, autênticos deuses de carne e osso que ocupam, ainda hoje, lugar privilegiado na história do país. O Wade Hatton de Dodge City podia ser um deles, tal como o foram os irmãos Earp. A figura do bom cowboy, justicialista e corajoso, rectilíneo e moralizador, adquire na personagem interpretada por Errol Flynn uma transfiguração caricata que servirá de estereótipo em múltiplos westerns posteriores. É impressionante como no meio de tanto fogo cruzado nunca nenhuma bala lhe acerta, a não ser a bala do amor no par romântico que mais uma vez cumprirá na companhia de Olivia de Havilland:
Ele abandona o comércio de gado para se dedicar exclusivamente à implementação da lei numa cidade que vira nascer, crescer e na qual estava a tornar-se impossível sobreviver. Fá-lo contra tipos sem escrúpulos como Jeff Surrett (Bruce Cabot), movido pela boa vontade e por uma consciência moral à qual se torna impossível fugir depois de alguns trágicos acontecimentos. O imperativo categórico kantiano nunca terá tido tão popular representação. Todo este cenário aparece pintado no filme de Curtiz com um populismo indisfarçável, rendendo-se o realizador à acção puramente comercial ou a um sentimentalismo superficial quando a cena puxa à lágrima. Ainda assim, Dodge City é um filme notável para a época, com um ritmo narrativo impressionante, cenas bem desenhadas, interpretações consistentes. Não admira que tenha servido de modelo para incontáveis westerns posteriormente realizados.

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