sábado, 21 de setembro de 2013

O INCÓMODO DAS MEIAS VERDADES

Henrique Raposo escreveu uma crónica a que deu o título Se for de esquerda, a pedofilia é chique. O jornal Expresso, na sua versão on-line, deu-lhe guarida. A primeira premissa não é grave. Pouca gente estará interessada no que pensa e escreve Henrique Raposo, muito menos saberão sequer da sua existência. De resto, a comunicação social portuguesa está repleta de cronistas cuja imbecilidade é o maior argumento a seu favor num meio de imbecis. Só assim se compreende que um indivíduo patético como o é José António Saraiva possa manter-se director de jornais ditos de referência (para quem?) durante anos, ou que tontos na linha de João César das Neves vejam as suas tonteiras frequentemente amplificadas pelos media. O show biz da opinião dita as regras, os cronistas respeitam-nas dando azo a polémicas tão histéricas quão estéreis. Mas a segunda premissa com que abri o texto já me preocupa. Pensar que um dia alguém poderá andar a recolher informação sobre pedofilia e virá a deparar-se com a crónica de Raposo, tomando o que ali se diz à letra, sem sentido crítico (cada mais raro) nem discernimento, atrapalha-me as contas, deixa-me algo irritado e obriga-me a arrancar às teclas algumas considerações. Ao contrário do que já li, Henrique Raposo não argumenta que as pessoas de esquerda sejam pedófilas e simpatizem com a pedofilia. O que ele aponta é dois pesos e duas medidas na avaliação dos casos onde essa perversão sexual seja o centro das atenções. A primeira frase da crónica é clara: «No tema da transgressão sexual, a duplicidade de critérios do costume atinge o zénite: a direita é a enteada, a esquerda é a filha». Faltou acrescentar da puta. Tudo está errado logo de princípio. Primeiro, porque associar a avaliação de uma transgressão sexual às inclinações políticas de quem avalia é ofensivamente estúpido. Depois, porque supor sequer uma discriminação entre transgressor de direita e transgressor de esquerda coloca a própria suposição ao nível de um transtorno mental. Repare-se que perante esta argumentação, se uma das minhas filhas fosse vítima de pedofilia a minha preocupação primeira seria a de tentar perceber se o pedófilo era de esquerda ou de direita. Se fosse de direita, eu, enquanto homem de esquerda, requereria a castração do réu. Se posse de esquerda, eu perdoaria. Imaginem se fosse de esquerda e do Sporting. O mais certo seria pagar-lhe e agradecer-lhe. Mas se a preocupação ou o problema de Henrique Raposo é o tratamento dado pela comunicação social a casos de pedofilia ou de outro tipo de transgressões sexuais, então cabe-nos interrogar, a título de exemplo, sobre as razões que levaram à detenção ou à ruína política dirigentes socialistas envolvidos, sem prova, no caso Casa Pia. Não sei se por essa altura Henrique Raposo já colaborava com O Independente, mas deverá estar recordado dos pesos e das medidas então praticados pelos media. A pulhice, como diz, não escolhe rostos nem obedece a hierarquias, mas por vezes deixa-se alimentar pela falta de memória (o que é ainda mais estranho num historiador). Henrique Raposo vai mais longe, ao referir uma glorificação da transgressão sexual e até um culto da mesma pela esquerda europeia. Sabendo nós que há muito os comunistas praticam uma dieta à base de criancinhas, custa-nos perceber como não foi parar o próprio Raposo, transformado em fricassé, ao prato de um comuna. É que a sua argumentação é típica de uma criancinha mimada e invejosa, revelando uma moralidade de tal forma rastejante que de mais não precisamos para provar a superioridade moral da esquerda. Henrique Raposo sabe que só muito recentemente, praticamente a partir dos anos 90 do século passado, é que o mundo passou a olhar para a pedofilia enquanto “acto criminoso”, quando transformado em abuso sexual de menores, estando as crianças até então à mercê da boa vontade dos adultos, e que a chamada idade de consentimento é variável, e que a caça a meninos, tão facilmente detectável em inúmeras obras, de Platão a Thomas Mann, deste a Luiz Pacheco, não escolhe simpatias ideológicas, credos ou inclinações políticas. Sabe, mas não quer saber. Porque o que ele pretende com a sua crónica é disfarçar um tremendo incómodo, um incómodo do mesmo género daquele que nos poderia levar a falar de violência doméstica referindo ilustríssimas famílias da direita portuguesa que a comunicação social nunca quis ecoar. É o incómodo das meias verdades que, mais tarde ou mais cedo, acabarão por vir à superfície como à superfície veio o Ballet Rose que Raposo, provavelmente, nunca dançou.

5 comentários:

maria disse...

parece-me que captaste muito bem o que move o HR. Mas não é só ele, há uma direita assim: medíocre, caguinchas. Deus nos acuda!

Tétisq disse...

Há nos jornais demasiado espaço para estes 'tipos' que vão vomitando umas coisas e ganhando estatuto sob a capa de 'provocadores'... desisti de ler gente estupida por acrescimo desisti de ler jornais mesmo que online. Os jornais não perdem leitores por causa da internet perdem porque diminuiram a sua qualidade e exigencia.

hmbf disse...

Maria, realmente é daqueles casos em que preferia acreditar em Deus. Ele há-de ter uma explicação para tudo isto.

Tétisq, os jornais perderam leitores por muitas razões. A falta de exigência não é uma delas, infelizmente. Veja-se o Correio da Manhã.

maria disse...

mesmo que a tenha, é dele. :) claro que podemos sempre perguntar: não seria muito melhor um mundo sem idiotas como o HR?! pois seria, mas não seria a mesma coisa. ;)

Marina Tadeu disse...

Só mais um ângulo, Henrique

http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2013/09/1344976-voce-acha-que-usa-a-internet-mas-esta-sendo-usado-por-ela-diz-bernardo-de-carvalho.shtml