Há uma dimensão política no western que nem sempre
aparece devidamente interpretada. Por um lado, temos o mundo rural ocupado por
latifundiários que exploram pequenas famílias locais, impondo-lhes a sua
vontade montados em cowboys abrutalhados e desordeiros. Por outro lado, o mundo
urbano, geralmente simbolizado na imagem do comboio, transborda de
vício e corrupção, com a lei e a ordem em promíscuo conluio com empresários
gananciosos e arrivistas. Os índios são o contrapeso desta sociedade ocidental
emergente, defendendo as suas terras com métodos considerados selvagens e
bárbaros pelo dito mundo civilizado. Deste modo, o Novo Mundo, visto à luz do
Velho Oeste, torna-se o palco ideal para a exibição de heróis ambivalentes e
isolados: o sheriff para quem a imposição da lei e da ordem são
fulcrais numa sociedade assaltada pelo caos e pela desordem; o
outlaw justiceiro, espécie de Robin Hood do Grand Canyon; o
civil desencantado e desiludido com o colectivo, mas empenhado em responder a
uma consciência moral fundada em valores e princípios de raiz cristã. No
caldo da Guerra Civil, surgem-nos ainda alguns militares corajosos, outros
impiedosos, poucos deles interessados em conhecer e interpretar o inimigo,
fosse este um rebelde dos Estados Confederados ou um líder das Nações Índias.
Curiosamente, não é raro encontrarmos entre estes rebeldes e os índios pontos
de aproximação e de simpatia. O mal, no western, pode ter vários rostos,
assim como o bem, não se lhe reconhecendo uma origem comum nem um desígnio
universal. Aparece associado a comportamentos onde a liberdade individual se vê
ameaçada por interesses políticos colectivos, numa perspectiva muito americana
do mundo. Nem sempre é assim, embora me pareça legítimo configurar o western a
partir destas generalizações. Sucede também que muitos destes filmes têm um
claro propósito de entretenimento, são mais exercícios técnicos de um mercado
produtivo do que expressões de sentimentos, emoções e perspectivas artísticas. Há
deles bons e maus em ambos os lados da barricada. Backlash/O Sexto Homem
(1956), de John Sturges (1910-1992), tem um pé em cada um desses lados. Não é
um western político. Revela, antes pelo contrário, um lado sentimental que o liga
aos grandes dramas familiares que vêm de tragédias clássicas como Édipo Rei. O herói,
interpretado por Richard Widmark, que veremos posteriormente em excelentes
westerns tais como The Last Wagon/A Última Caravana (1956) ou nesse épico
inesquecível intitulado How the West Was Won/A Conquista do Oeste (1962), é um
ex-rebelde em busca do pai desparecido. Jim Slater, assim se chama, está
convencido de que o pai foi apanhado por um grupo de índios Apache em Gila
Valley, local onde se encontrava, com outros cinco indivíduos, à procura de ouro.
Slater pretende encontrar o único sobrevivente dessa emboscada, o sexto homem, que
terá abandonado os seus companheiros à sorte dos índios em fúria. Acabará por
descobrir que, afinal, o sexto homem é o seu próprio pai, um próspero rancheiro
sem escrúpulos que se rodeia de pistoleiros para dominar a região onde se
instalou com um nome forjado. Pelo caminho, Slater cruza-se com imensa gente e é obrigado a tomar
decisões pouco convencionais. As peripécias que enriquecem o argumento não são
irrelevantes, contribuem para aprofundar o lado psicológico desta personagem
torturada pela verdade. A verdade que ele busca é, afinal, a verdade que ele
menos queria encontrar. Ficamos perante mais um herói solitário, um
homem em conflito com os do seu próprio sangue, que em nome da sua consciência
moral terá de matar o pai. O que importa sublinhar nesta personagem é,
precisamente, o enaltecimento de uma noção de justiça alicerçada num modo de
entender o indivíduo e a sua relação com o mundo que o rodeia. Apesar de serem
do mesmo sangue, pai e filho divergem na essência. Jim Bonniwell, o pai,
interpretado pelo John McIntire que vimos em The Tin Star/Sangue no Deserto
(1957), é dominado por uma maldade que caberá ao filho expurgar. Este sentimento
de expurga, levado a cabo num contexto individualista, transforma Jim Slater na
figura do bem que chega aos homens por via da sua busca isolada e pessoal. O
bem, neste caso, não é imposto por forças externas ao indivíduo. É o indivíduo
que a ele chega através da sua procura pessoal, independente, autónoma, a
partir da sua experiência, a experiência de uma liberdade que, feitas as
contas, é sempre o maior dos problemas e dos desafios que a política nos
coloca.
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