segunda-feira, 28 de outubro de 2013

DUEL IN THE SUN (1946)



De ascendência húngara, King Vidor (1894-1982) nasceu em Galveston, Texas. Ao contrário de André de Toth (1912-2002) e Michael Curtiz (1886-1962), nascidos na Hungria, Vidor assimilou à nascença os preceitos da indústria cinematográfica norte-americana. Após alguns filmes mudos, foi dos primeiros a aventurar-se no sonoro. Assinou vários westerns recomendáveis, tais como Billy the Kid/O Vingador (1930), The Texas Rangers/A Legião dos Atiradores (1936), Duel in the Sun/Duelo ao Sol (1946) e Man Without a Star/Homem Sem Rumo (1955). Duel in the Sun é, entre todos, o mais invulgar. Começa com a voz off de Orson Welles a narrar uma lenda indígena sobre uma flor selvagem. Segue-se uma frenética cena de saloon, com uma mestiça a dançar em cima do balcão e cowboys em delírio disparando para o ar. A mestiça abandona o local abraçada ao amante, para serem ambos assassinados pelo marido daquela. Scott Chavez, o marido traído, tem uma filha, de seu nome Pearl, que deixará ao cuidado de um antigo e malogrado amor. O crime passional que oferece o mote irá determinar o desenvolvimento da narrativa, toda ela delineada em torno da personagem sensual encarnada por Jennifer Jones (Pearl). O elenco conta com alguns rostos conhecidos que seria injusto não relembrar. Desde logo, a actriz Lillian Gish (Broken Blossoms or The Yellow Man and the Girl/O Lírio Quebrado), resgatada do cinema mudo sem grande sucesso; Walter Huston, o napoleónico T. C. Jeffords de The Furies/Almas em Fúria (1950), tem um papel menor; o mesmo não diremos acerca de Joseph Cotten (Citizen Kane/O Mundo a Seus Pés) e Gregory Peck (que mencionámos anteriormente a propósito de Billy Two Hats/Amigos Até ao Fim), representando dois irmãos substancialmente diferentes nos modos e no carácter que se apaixonam por uma mesma mulher: a mestiça Pearl Chavez (Jennifer Jones). O ménage à trois sugerido no filme não é tipicamente erótico. Pearl, cujo nome inspira já algo de precioso, não se divide apenas entre dois homens, ela vê-se entre dois modos de ser radicalmente opostos. Jesse (Joseph Cotten), o irmão mais velho, estudou direito, é formal, preocupa-se com o bem dos outros e luta por um mundo mais justo, age com a razão e pode oferecer à selvagem Pearl os modos que a transformarão numa senhora civilizada. Lewton (Gregory Peck) é o contrário de tudo isto, impulsivo, temperamental, rude e independente, não quer amarrar-se a nada no mundo, nem à família, nem a uma mulher, não hesita quando tem de agir e chega mesmo a provocar situações violentas. Que pode um homem destes oferecer a Pearl? Os grilhões do desejo, as amarras da paixão. Temos, assim, uma flor selvagem dividida entre a razão e a paixão. Todavia, este conflito não é dicotómico. Resolver-se-á de forma trágica num final próximo daquilo que consideramos hoje absurdo, com os dois amantes matando-se um ao outro, ela arrastando-se para ele enquanto ele a espera esvaindo-se em sangue. Uma tragédia shakespeareana do Velho Oeste, portanto. Vidor carrega nos tons quentes, faz as personagens transpirar e capta-lhes o suor, coloca várias cenas debaixo de um pôr-do-sol que leva, inclusive, uma personagem a referir-se aos estranhos tons que cingem o céu naquele dia. A tensão dramática adquire com a música de Dimitri Tiomkin uma expansividade que reflecte as vastas pradarias do Texas, contornadas por cordilheiras longínquas e místicas. Cada cena encerra um conflito que hiperboliza os sentimentos de Pearl, seja quando Lewton tenta domar um garanhão, seja quando a linha férrea invade o terreno selvagem da pradaria, seja quando o exército se coloca defronte a uma linha de cowboys que impedem o avanço do mundo moderno sobre os seus comportamentos selvagens. Vale a pena rever a sequência final, reparem nas feições de Pearl, no deleite dos movimentos, nas sombras, na música de fundo, no lobo que uiva à sua passagem depois de ela se curvar para beber água da mesma poça onde o seu cavalo mata a sede. A animalidade daquela mulher só desaparece depois de matar o amante e de rastejar para o seu regaço, uma fera ferida pela paixão e pela necessidade de agir contra os seus próprios instintos. De uma violência aterradora, esta cena:

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