quarta-feira, 16 de outubro de 2013

MÁRIO DE CARVALHO


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Assisti - com alguma melancolia - à ascensão e queda de glórias literárias e também - confesso que com um ricto de ferocidade - à fulminância, queda e obnubilação, de não poucos críticos e opinantes. Percorri proibições mais ou menos declaradas, impostas sucessivamente pelo Zeitgeist em vigor: proibição do formalismo, do psicologismo, do realismo, das categorias da narrativa, do trabalho sobre a língua... etc. Cada instante que passa é propício a reinvenções sucessivas e tem alardeado os seus preconceitos que logo são removidos na fase seguinte: não têm conta as ocasiões em que a corrente da consciência vem sendo reinventada, desde o século XVIII, de cada vez com algum alarido; de muito antes vem a vanglória do chamado best-seller que eu pessoalmente recordo desde os tempos imemoriais em que um certo Mickey Spillane saltava, ovante, todas as fasquias [para ele, a inspiração - dizia - era a conta bancária].
Isto se não quisermos falar de George Ohnet (O Grande Industrial) ou de Max du Veuzit (John Chauffer Russo) que ainda rutilavam há poucos anos. Mas o que me deixa sempre surpreendido é a descoberta repetitiva de autores que já tinham sido célebres em tempos pretéritos. Não será o caso de Virginia Woolf que apareceu primeiro na colecção Miniatura da Livros do Brasil, sem sucesso por aí além, até ser recuperada nos anos 80. Mas é o caso de Jorge Luis Borges, conhecido em tradução portuguesa, de Serafim Ferreira, nos anos 60 (para não falar das visitações em francês, língua cujo domínio, pelo menos passivo, era então frequente na tribo dos leitores) e que parece ter sido redescoberto - com gáudio - duas dezenas de anos mais tarde.
É também o caso de Katherine Mainsfield, Truman Capote, Marguerite Yourcenar, Sherwood Anderson, Dorothy Parker, Carson MCullers, que são redescobertos aí de dez em dez anos, com uma regularidade quase monótona. Estou à espera da redescoberta de John dos Passos que, ao que me consta, há muito tempo não é descoberto. Mas mesmo ontem verifiquei que um conto de Henry James que já deu origem a uma obra-prima do cinema - Os Inocentes, de Jack Clayton - e a uma ópera do mesmo nome de Benjamin Britten, e que já se chamou O Calafrio, foi agora de novo apresentada com o seu enigmático título de origem, traduzido à letra: O Aperto do Parafuso, não está mal para The Turn of the Screw. Daqui a dez anos, alguém se lembrará de o repor como A Volta do Parafuso.
 
(...)
 
Mário de Carvalho, excerto do texto «lido pelo autor na sessão de testemunhos sobre ele e a sua obra na Escritaria», in JL - Jornal de Letras Artes e Ideias, n.º 1123, p. 10.

3 comentários:

Filipe Guerra disse...

Aperto do Parafuso (da editora Sistema Solar, herdeira da Assírio e Alvim), excelente tradução de Aníbal Fernandes, a começar pelo título. Mário de Carvalho amanda aí umas banalidades fáceis, tão verdadeiras de tão corriqueiras. Que se fodam os mestres. Aliás já o apanhei em muitos plágios (principalmente de ideias).

hmbf disse...

Venham daí os plágios.

Filipe Guerra disse...

Os plágios não são literais, pois estariam sujeitos às regras legais, o que aliás é estúpido pois toda a gente plagia (imita) alguém, mas conto-lhe um caso: o conto "O Velho, o Cão e a Cabra", salvo erro, de um tal desconhecido José Mourão, no nº 5 da revista Ficções, deu material substancial, avulso e por atacado, a M. de C. para o seu livro saído bastante depois cujo nome não recordo e não possuo, mas situe-se nos anos 90. Está bem, não é plágio, é habilidade literária. Sim, é mestre, mas nem tanto