Cenas de sexo explícito em filmes não propriamente
pornográficos são hoje uma vulgaridade inconsequente. O Desconhecido do Lago exibe
o adereço sem parcimónia, acrescentando pouco mais que nada ao que Alain
Guiraudie tem para nos oferecer. A irracionalidade da paixão, fronteiras entre
amor e sexo, amigo e amante, uma problematização do desejo num local onde ele
aparenta ser tudo menos problemático. Não gostei. No entanto, enquanto
regressava à província lembrei-me de uma nota de Frederico Lourenço sobre as
origens da elegia. Diz assim:
«Destinada a ser cantada em saraus/beberetes de homens
(simpósios) com acompanhamento de aulós (instrumento de sopro cujo som seria
parecido com o moderno oboé), a elegia reflecte as preocupações eróticas,
políticas e aristocráticas dos simpósios, onde, ao lado de um evidente
sentimentalismo homossexual, surge também a desconfiança face à ascensão social
de arrivistas que não partilham, pela nascença, dos valores eugénicos dos
áristoi, à letra os “melhores”».
Deixando nas margens a questão aristocrática, até porque
Guiraudie democratiza o corpo com uma perspectiva indiferente a preconceitos de
beleza, o lago pode ser interpretado como uma espécie de simpósio dos tempos
actuais, onde os homens reflectem as suas preocupações eróticas com o sentido
prático que a modernidade exige. Não temos oboés, é certo, mas não faltam
instrumentos de sopro. E não me refiro a harpas de vento. Ironia à parte, o
desconhecido do lago acaba por ter um
discurso muito semelhante ao que encontramos nesta elegia de Mimnermo:
1 Elogio do prazer (fr. 1 W)
O que é a vida? O que é o prazer, sem a dourada Afrodite?
Que eu morra, quando estas coisas já não me interessarem:
o amor secreto, as suaves ofertas e a cama,
que são flores da juventude sedutoras
para homens e mulheres. Mas quando chega a dolorosa
velhice, que faz até do homem belo um homem repulsivo,
tristes preocupações sempre lhe moem os pensamentos
e já não sente prazer em contemplar a luz do sol,
mas é odiado pelos rapazes e desonrado pelas mulheres.
Assim áspera foi a velhice que o deus impôs.
Remetem-me os versos, porém, para Morte em Veneza, de
Thomas Mann, adaptado magistralmente ao cinema por Luchino Visconti. Esta
questão da velhice, da degenerescência do corpo mas não necessariamente do
desejo, instaura no homem um conflito essencial. A satisfação já não se busca
apenas na partilha do corpo, mas antes na partilha de uma intimidade que o
corpo, platonicamente falando, apenas oprime. Thomas Mann, que não escondeu a
sua inclinação por adolescentes, era tipicamente elegíaco. Vale a pena
recordar, citando o biógrafo Klaus Schröter, como foram as suas preocupações
sendo implicitamente arrumadas na obra:
«Na época da república de Weimar, durante a qual Thomas
Mann se separaria do seu conservadorismo e começaria a desenvolver uma
liberdade democrática, também daria largas à homossexualidade. Indícios do seu desejo
proliferam cada vez mais nitidamente na sua obra. O crayon (lápis) de
Pribiszlav Hippe n’A Montanha Mágica é um símbolo fálico, ainda que enfezado,
porém, realçado como leitmotiv. Mais tarde, o bíblico José é mostrado no seu
esplendor corporal e referido como categoricamente divino até à cena da
renúncia que culmina no grito da mulher de Potiphar: Eu vi a tua força. A
Goethe, Thomas Mann põe-no a acordar com uma forte erecção em Lotte in Weimar.
A sensualidade de Wiligis, Gregorius (O Eleito), Ken Keaton (O Cisne Negro) e
de Félix Krull tem um cunho absolutamente fálico. Desde 1919 que Thomas Mann
conhecia Die Rolle der Erotik in der männlichen Gesellschaft («O Papel do
Erotismo na Sociedade Masculina») de Hans Blüher – Parcial, mas verdadeira -,
sendo determinante para esta temática e culminando na doutrina de que a
homossexualidade faria parte integrante da germanidade (Diário, 12.7.1934)».
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