sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

O EXPLÍCITO E O IMPLÍCITO

 
 
Cenas de sexo explícito em filmes não propriamente pornográficos são hoje uma vulgaridade inconsequente. O Desconhecido do Lago exibe o adereço sem parcimónia, acrescentando pouco mais que nada ao que Alain Guiraudie tem para nos oferecer. A irracionalidade da paixão, fronteiras entre amor e sexo, amigo e amante, uma problematização do desejo num local onde ele aparenta ser tudo menos problemático. Não gostei. No entanto, enquanto regressava à província lembrei-me de uma nota de Frederico Lourenço sobre as origens da elegia. Diz assim:
 
«Destinada a ser cantada em saraus/beberetes de homens (simpósios) com acompanhamento de aulós (instrumento de sopro cujo som seria parecido com o moderno oboé), a elegia reflecte as preocupações eróticas, políticas e aristocráticas dos simpósios, onde, ao lado de um evidente sentimentalismo homossexual, surge também a desconfiança face à ascensão social de arrivistas que não partilham, pela nascença, dos valores eugénicos dos áristoi, à letra os “melhores”».
Deixando nas margens a questão aristocrática, até porque Guiraudie democratiza o corpo com uma perspectiva indiferente a preconceitos de beleza, o lago pode ser interpretado como uma espécie de simpósio dos tempos actuais, onde os homens reflectem as suas preocupações eróticas com o sentido prático que a modernidade exige. Não temos oboés, é certo, mas não faltam instrumentos de sopro. E não me refiro a harpas de vento. Ironia à parte, o desconhecido do lago acaba por  ter um discurso muito semelhante ao que encontramos nesta elegia de Mimnermo:
 
1 Elogio do prazer (fr. 1 W)
O que é a vida? O que é o prazer, sem a dourada Afrodite?
Que eu morra, quando estas coisas já não me interessarem:
o amor secreto, as suaves ofertas e a cama,
que são flores da juventude sedutoras
para homens e mulheres. Mas quando chega a dolorosa
velhice, que faz até do homem belo um homem repulsivo,
tristes preocupações sempre lhe moem os pensamentos
e já não sente prazer em contemplar a luz do sol,
mas é odiado pelos rapazes e desonrado pelas mulheres.
Assim áspera foi a velhice que o deus impôs.
 
Remetem-me os versos, porém, para Morte em Veneza, de Thomas Mann, adaptado magistralmente ao cinema por Luchino Visconti. Esta questão da velhice, da degenerescência do corpo mas não necessariamente do desejo, instaura no homem um conflito essencial. A satisfação já não se busca apenas na partilha do corpo, mas antes na partilha de uma intimidade que o corpo, platonicamente falando, apenas oprime. Thomas Mann, que não escondeu a sua inclinação por adolescentes, era tipicamente elegíaco. Vale a pena recordar, citando o biógrafo Klaus Schröter, como foram as suas preocupações sendo implicitamente arrumadas na obra:
 
«Na época da república de Weimar, durante a qual Thomas Mann se separaria do seu conservadorismo e começaria a desenvolver uma liberdade democrática, também daria largas à homossexualidade. Indícios do seu desejo proliferam cada vez mais nitidamente na sua obra. O crayon (lápis) de Pribiszlav Hippe n’A Montanha Mágica é um símbolo fálico, ainda que enfezado, porém, realçado como leitmotiv. Mais tarde, o bíblico José é mostrado no seu esplendor corporal e referido como categoricamente divino até à cena da renúncia que culmina no grito da mulher de Potiphar: Eu vi a tua força. A Goethe, Thomas Mann põe-no a acordar com uma forte erecção em Lotte in Weimar. A sensualidade de Wiligis, Gregorius (O Eleito), Ken Keaton (O Cisne Negro) e de Félix Krull tem um cunho absolutamente fálico. Desde 1919 que Thomas Mann conhecia Die Rolle der Erotik in der männlichen Gesellschaft («O Papel do Erotismo na Sociedade Masculina») de Hans Blüher – Parcial, mas verdadeira -, sendo determinante para esta temática e culminando na doutrina de que a homossexualidade faria parte integrante da germanidade (Diário, 12.7.1934)».

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