quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

THE KING AND FOUR QUEENS (1956)



Filho de um irlandês e de uma espanhola, Raoul Walsh (1887-1980) foi um dos epígonos de Hollywood. Actor no início da carreira, trabalhou para todas as companhias cinematográficas e percorreu todos os géneros. Vimo-lo representar no polémico Birth of a Nation, de Griffith, muito antes de passar para detrás da câmara. Os críticos apontam They Died With Their Boots On/Todos Morreram Calçados (1941), Pursued/Núpcias Trágicas (1947) e The Tall Men/Duelo de Ambições (1955) como os seus melhores westerns, mas as mais interessantes incursões de Raoul Walh pelo género são aquelas em que consegue distanciar-se dos ambientes criados por outros mestres seus contemporâneos.
The King and Four Queens/Um Rei e Quatro Rainhas (1956) é bom exemplo de um western divertido e económico, sem preocupações morais evidentes, construído em torno de um argumento mais interessado em jogos psicológicos do que em batalhas sangrentas e ruidosas. São raros os tiros que se ouvem, tão raros quanto os momentos em que a acção acelera o trote, decorrendo antes tudo num clima aparentemente ligeiro com laivos de comédia romântica.
Clark Gable, que granjeava à época do estatuto de estrela máxima da máquina cinematográfica norte-americana, é o rei desta história, um vigarista com ar de trapaceiro em busca do ouro roubado pela malograda quadrilha dos McDade. O rasto leva-o até Wagon Mount, onde supostamente o ouro se encontra escondido à guarda da mãe dos McDade. Mas não é apenas o ouro que Ma McDade (excelente interpretação de Jo Van Fleet, que no ano seguinte encontraremos em Gunfight at the O.K. Corral/Duelo de Fogo) mantém sob a sua alçada inflexível. Com ela, estão as quatro viúvas dos McDade, rainhas em estado de latência. Eleanor Parker, Jean Willes, Barbara Nichols e Sara Shane compõem o quarteto, cada uma com os seus atributos.
Walsh oferece-nos uma espécie de bailado da sedução entre o rei Gable e estas quatro desesperadas viúvas. A cena mais inusitada do filme materializa de facto esse bailado, com o sedutor Dan Kehoe (Gable) a saltar de braço em braço ao som de uma música que escutamos sem saber de onde vem. Resquício musical num western invulgar, a cena oferece ainda a curiosidade de à alternância de mulheres corresponder uma dança diferente, sublinhando-se dessa forma traços de personalidade que vamos detectando em cada uma das mulheres. A sonhadora e fútil Birdie (Barbara Nichols) contrasta com o calculismo de Sabina (Eleanor Parker), assim como a fogosidade de Ruby (Jean Willes) nada tem que ver com a fragilidade e timidez de Oralie (Sara).
Sobre todas elas pesa não apena o fardo de uma sogra implacável, mas também a incerteza da viuvez. Crê-se que um dos McDade se mantenha vivo, não se sabendo qual. A esperança de Ma é que regresse em busca do ouro, devendo por isso as viúvas manter-se fiéis a esta vã expectativa. Kehoe consegue tirar partido destas debilidades, usando a sua capacidade de sedução para testar o conhecimento de cada uma das mulheres relativamente à localização do ouro. Porque, e esse parece ser o pormenor mais relevante do filme, tudo gira, de facto, em torno do ouro. Onde julgamos ver paixão, vemos ambição, onde julgamos ver desânimo, vemos frustração, onde julgamos ver sonho, vemos simplesmente a nostalgia de uma liberdade perdida, sendo que, afinal, todos estes sentimentos acabam legitimados pela simples vontade de viver para lá dos mortos que não chegam.
Mesmo Ma McDade, na sua cega esperança de rever um dos filhos, mantém enterrado o ouro que parece abominar como uma espécie de tesouro que dá sentido à sua existência. O lado cómico da situação é o seu absurdo. Olhamos para Wagon Mount, a cidade destroçada, com seus edifícios em ruínas, onde apenas se mantêm quatro viúvas e a sogra de todas elas, como o cemitério de um tesouro que pode oferecer uma vida nova a quem dela se vê privada por culpa de um morto que não regressa. Esta figura ausente do McDade foragido, único sobrevivente de uma emboscada fatal, é determinante, havendo nela a representação de um ideal que Raoul Walsh parece desprezar. De resto, o filme aponta numa direcção materialista que varre para os lados qualquer elogio do sacrifício. Não sendo apologético da maldade, acaba por ser cómica e perversamente defensor da boa vida.

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