Filho de um irlandês e de uma espanhola, Raoul Walsh
(1887-1980) foi um dos epígonos de Hollywood. Actor no início da carreira,
trabalhou para todas as companhias cinematográficas e percorreu todos os
géneros. Vimo-lo representar no polémico Birth of a Nation, de Griffith, muito
antes de passar para detrás da câmara. Os críticos apontam They Died With Their
Boots On/Todos Morreram Calçados (1941), Pursued/Núpcias Trágicas (1947) e The
Tall Men/Duelo de Ambições (1955) como os seus melhores westerns, mas as mais
interessantes incursões de Raoul Walh pelo género são aquelas em que consegue
distanciar-se dos ambientes criados por outros mestres seus contemporâneos.
The
King and Four Queens/Um Rei e Quatro Rainhas (1956) é bom exemplo de um western
divertido e económico, sem preocupações morais evidentes, construído em torno
de um argumento mais interessado em jogos psicológicos do que em batalhas
sangrentas e ruidosas. São raros os tiros que se ouvem, tão raros quanto os
momentos em que a acção acelera o trote, decorrendo antes tudo num clima
aparentemente ligeiro com laivos de comédia romântica.
Clark Gable, que
granjeava à época do estatuto de estrela máxima da máquina cinematográfica
norte-americana, é o rei desta história, um vigarista com ar de trapaceiro em
busca do ouro roubado pela malograda quadrilha dos McDade. O rasto
leva-o até Wagon Mount, onde supostamente o ouro se encontra escondido à guarda
da mãe dos McDade. Mas não é apenas o ouro que Ma McDade (excelente
interpretação de Jo Van Fleet, que no ano seguinte encontraremos em Gunfight at
the O.K. Corral/Duelo de Fogo) mantém sob a sua alçada inflexível. Com
ela, estão as quatro viúvas dos McDade, rainhas em estado de latência. Eleanor
Parker, Jean Willes, Barbara Nichols e Sara Shane compõem o quarteto, cada uma
com os seus atributos.
Walsh oferece-nos uma espécie de bailado da
sedução entre o rei Gable e estas quatro desesperadas viúvas. A cena mais inusitada
do filme materializa de facto esse bailado, com o sedutor Dan Kehoe (Gable) a
saltar de braço em braço ao som de uma música que escutamos sem saber de onde
vem. Resquício musical num western invulgar, a cena oferece ainda a
curiosidade de à alternância de mulheres corresponder uma dança diferente,
sublinhando-se dessa forma traços de personalidade que vamos detectando em cada
uma das mulheres. A sonhadora e fútil Birdie (Barbara Nichols) contrasta com o calculismo
de Sabina (Eleanor Parker), assim como a fogosidade de Ruby (Jean Willes) nada
tem que ver com a fragilidade e timidez de Oralie (Sara).
Sobre todas elas pesa
não apena o fardo de uma sogra implacável, mas também a incerteza da viuvez.
Crê-se que um dos McDade se mantenha vivo, não se sabendo qual. A esperança de
Ma é que regresse em busca do ouro, devendo por isso as viúvas manter-se fiéis
a esta vã expectativa. Kehoe consegue tirar partido destas debilidades, usando
a sua capacidade de sedução para testar o conhecimento de cada uma das mulheres
relativamente à localização do ouro. Porque, e esse parece ser o pormenor mais
relevante do filme, tudo gira, de facto, em torno do ouro. Onde julgamos ver
paixão, vemos ambição, onde julgamos ver desânimo, vemos frustração, onde
julgamos ver sonho, vemos simplesmente a nostalgia de uma liberdade perdida,
sendo que, afinal, todos estes sentimentos acabam legitimados pela simples
vontade de viver para lá dos mortos que não chegam.
Mesmo Ma McDade, na sua
cega esperança de rever um dos filhos, mantém enterrado o ouro que parece
abominar como uma espécie de tesouro que dá sentido à sua existência. O lado
cómico da situação é o seu absurdo. Olhamos para Wagon Mount, a cidade
destroçada, com seus edifícios em ruínas, onde apenas se mantêm quatro viúvas e
a sogra de todas elas, como o cemitério de um tesouro que pode oferecer uma
vida nova a quem dela se vê privada por culpa de um morto que não regressa. Esta
figura ausente do McDade foragido, único sobrevivente de uma emboscada fatal, é
determinante, havendo nela a representação de um ideal que Raoul Walsh parece
desprezar. De resto, o filme aponta numa direcção materialista que varre para
os lados qualquer elogio do sacrifício. Não sendo apologético da maldade, acaba
por ser cómica e perversamente defensor da boa vida.
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