No dia 4 de Abril de 1968, Martin Luther King Jr., pastor
protestante nascido em Atlanta, foi assassinado pouco tempo antes de dar início
a mais uma das suas populares marchas contra a segregação racial. Nesse mesmo
ano, Sydney Pollack (1934-2008) viu estrear a sua terceira longa-metragem, após
diversos trabalhos enquanto actor e realizador de séries televisivas. The
Scalphunters/Os Caçadores de Escalpes (1968) não terá surgido por acaso no
contexto de uma América ferida pelas divisões raciais. Pollack, que viria a
reincidir no western com um filme memorável – Jeremiah Johnson/As Brancas
Montanhas da Morte (1972) -, por muitos considerado, e com razão, o seu melhor,
ensaia neste The Scalphunters um conjunto diverso de problemas que o género
mais tipicamente norte-americano sugere. Desde logo, o problema da convivência
entre raças no terreno hostil das leis naturais.
A sequência
inicial é um excelente intróito, com Burt Lancaster a trautear uma canção com
motivos raciais enquanto viaja solitariamente montado na sua égua: «My mother
was a Baptist, boys / My father was a Jew / My sister married an orphan / At
the battle of Waterloo / Don't ever kiss a Hindu, boys / Unless you are engaged
/ True love is never found with girls / Who dance upon the stage». A
canção é interrompida quando Joe Bass, o caçador de peles interpretado por
Lancaster, é abordado por um grupo de índios da tribo Kiowa que pretendem
trocar as peles por um negro. Bass resiste ao negócio, mas vê-se forçado a
ficar com Joseph Lee em troca das peles.
O papel de Joseph Lee valeu a Ossie Davis uma nomeação
para os Golden Globe Awards. O lado caricatural da personagem não deixa de ser
ousado para a época. Joseph Lee não é um vulgar escravo foragido, tem uma
postura aristocrática que contrasta com a brutalidade dos brancos e dos índios
com quem se vai cruzando. Sabe ler e escrever, cita passagens da Bíblia e refere-se
a vários autores citando-os em latim. Diz ter convivido com uma das famílias
mais cultas do Louisiana, mas só quer chegar ao México, onde a escravatura não
existe, para poder ser um homem livre. A possibilidade de uma relação cúmplice
entre Joe Bass, interessado em recuperar as peles que tanto trabalho
teve a caçar durante um Inverno inteiro, e Joseph Lee, o escravo bem-educado que
quer ser livre, é o leitmotiv de Os Caçadores de Escalpes, sendo
evidente o esforço para demarcá-los no que têm de distinto e aproximá-los no
que têm de mais semelhante. E o que os aproxima, depois de terem que enfrentar
um grupo de caçadores de escalpes liderados pelo terrível Jim Howie (Telly
Savalas), é a obstinação e perseverança nos propósitos de cada um.
Há uma dimensão cómica nesta história que pode
distrair-nos do fundamental. As personagens prestam-se a isso, desenvolvidas em sequências que incluem bebedeiras, lutas na lama, cavalos "amestrados", entre outras preciosidades do universo da comédia. Mesmo o terrível
Jim Howie, chefe de um gangue que tem no currículo o assassinato de cinco sheriffs,
o assalto a inúmeros bancos e a conquista de mais escalpes do que os
conseguidos por toda a cavalaria, perde a carga trágica e torna-se cómico
quando se derrete aos pés de Kate, a mulher com quem viaja numa carroça decorada
com motivos astrológicos.
Não obstante, temos à nossa frente os três pilares de uma
complexa nação: índios, colonos, escravos. Se assim é, também não deixa de
ser que a personagem interpretada por Burt Lancaster tipifica aquilo a que
poderíamos chamar o verdadeiro ídolo norte-americano: pragmático, sagaz, persistente,
corajoso, individualista, capaz de se relacionar com todos - comunica com os Kiowa no dialecto indígena –
a despeito de diferenças civilizacionais. Objecto divertido, Os Caçadores de
Escalpes parece ter mais alguns propósitos do que os de meramente nos distrair da
realidade. Interpretado à luz social do tempo em que surgiu, há nele intenções
políticas subliminares. Acontece com diversas obras, seja essa ou não a
intenção de quem as gera. Para quem desfrui, o resultado dificilmente poderá
ser outro. Música de Elmer
Bernstein.
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