quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

BUCHANAN RIDES ALONE (1958)




Buchannan Rides Alone/Têmpera de Herói (1958) é o mais surreal dos filmes que integram o chamado Ranown Cycle. Vislumbramos em muitas das suas sequências a raiz do spaghetti western, sendo evidente a influência exercida sobre o Leone de Per Un Pugno Di Dollari (1964). Baseado num romance de Jonas Ward, que fez da personagem de Buchanan um mito da literatura dedicada ao Velho Oeste, a estranheza do filme de Budd Boetticher (1916-2001) começa na forma como reencarna o mito na figura do actor Randolph Scott. Esvaziado de seriedade, Scott aparece sorridente, descontraído, quase cómico. Num filme repleto de cenas grotescas, o sorriso de Scott é porventura o sinal mais ridículo de todos neste contexto desmistificador e desconstrutor do western dos anos 1940 e da primeira metade da década de 1950. O filme começa com a chegada de Buchanan à cidade fronteiriça de Agry. Ao entrar em Agry, Buchanan arrasta-nos para um palco ambíguo, fronteiriço, onde mexicanos e norte-americanos convivem aparentemente de forma pacífica. O nome da cidade é o da família que nela predomina, nomeadamente três irmãos com características bem distintas mas propósitos similares. Boetticher introduz-nos no clima mostrando as placas dos serviços espalhados ao longo da cidade: barbearia Agry, saloon Agry, hotel Agry, mercearia Agry… A mesquinhez do local torna-se evidente, mais ainda quando nos apercebemos ter cada um dos serviços prestados sempre o mesmo custo: dez dólares. O facto levará Buchanan a chamar-lhe a cidade dos dez dólares, expressão que uniformiza o ambiente geral de um modo rasteiro. Por detrás desta uniformização estão três irmãos. Lew Agry, xerife, é o primeiro com quem Buchanan se cruza. Típico brutamontes, parece pensar apenas com o músculo. Não obstante, rodeia-se de ajudantes que impele para a linha da frente sempre que é preciso oferecer o peito às balas. Tem uma única coisa em mente: dinheiro. O segundo dos três irmãos com quem Buchanan trava conhecimento é Amos, responsável pelo Hotel. Linguarudo, desajeitado, bisbilhoteiro, viscoso, corre de um lado para o outro da cidade levando consigo notícias e intrigas. O destrambelho faz dele uma personagem caricata. Tem uma única coisa em mente: dinheiro. Resta o juiz Simon, arrivista com ambições políticas, calculista, é um hipócrita com uma única coisa em mente: dinheiro. Quando o filho, alcoólico e inconsequente, acaba assassinado por um mexicano, a iminência de um linchamento público leva o juiz Simon a reivindicar um julgamento justo. Em véspera de eleições, a intenção é clara: fazer passar a imagem de homem justo perante a comunidade. Mas logo esta intenção cai por terra quando um capataz do pai do réu oferece cinquenta mil dólares em troco do filho. Todos estes acontecimentos precipitarão Buchanan numa série de façanhas onde nada se apresenta com objectividade. Ressalta à vista o seu pragmatismo, embora Boetticher faça dele, muitas vezes, uma espécie de espectador interventivo para pintar uma caricatura mais abrangente daquela comunidade. Exemplo disso é a sequência do fair trial a que são sujeitos Juan de la Veja, o jovem mexicano que vingou a violação da irmã matando o violador (Roy Agry, filho do juiz), e Tom Buchanan, por ter acudido Juan quando este estava a ser espancado pelos ajudantes do xerife. Sem tribunal na cidade, ocorre o julgamento no bar. Júri e público são convidados a parar de beber antes do julgamento para evitar opiniões embriagadas. Uns sentados em cadeiras, outros ao longo do balcão, o júri na escada que dá acesso aos quartos, todos respeitam os trâmites anedóticos do tribunal improvisado. E a aura de homem justo do juiz sai reforçada pelas decisões finais. Não interessa quais. Muita gente há-de morrer entretanto, não necessariamente aqueles que mais se espera. Mas talvez importe sublinhar a última tirada de Buchanan quando abandona a cidade: os que ficam, que façam bom proveito dela. Talvez Agry seja hoje um fantasma como outro qualquer, a sombra que acompanha a memória, um tempo que ficou para trás. Seja o que for, é também uma "metonímia" daquilo que grande parte do mundo traz em mente: dinheiro. 

3 comentários:

Anónimo disse...

Faz um livrinho com estas crónicas, que eu compro!

Ricardo

hmbf disse...

:-) talvez não fosse má ideia

Marina Tadeu disse...

Apoia-a-a-ado!