terça-feira, 14 de janeiro de 2014

DECISION AT SUNDOWN (1957)




Oscar “Budd” Boetticher, conhecido no mundo do cinema apenas como Budd Boetticher (1916-2001), merece ser recordado. Depois de experimentar várias modalidades desportivas, apaixonou-se pela tourada durante uma viagem ao México. Rouben Mamoulian contratou-o como conselheiro técnico para o filme Blood and Sand/Sangue e Arena (1941). Entra desta forma discreta no universo cinematográfico, pegando pouco tempo depois nas câmaras para começar a realizar vários filmes de série B - muitos dos quais votados à sua extravagante paixão hispânica: as touradas. Boetticher era um duro, característica explícita nos seus filmes. Não admira que enveredasse pelo western, assinando alguns dos melhores filmes do género. A sua parceria com o actor Randolph Scott na década de 1950 tornou-se, como agora se diz, incontornável. Ficou conhecida como o Ranown Cycle - designação algo equívoca -, devido à colaboração com o produtor Harry Joe Brown. Sete filmes compõem o ciclo, sendo Decision at Sundown/Entardecer Sangrento (1957) o terceiro. Os outros foram Seven Men From Now (1956), que André Bazin apreciava particularmente, The Tall T (1957), Buchanan Rides Alone (1958), Westbound (1959), Ride Lonesome (1959) e Comanche Station (1960). Filmes incisivos, com uma linguagem directa e crua, fazem descer à terra o imaginário epopeico do western. As personagens de Boetticher são ambíguas, paradoxais, não encarnam a ambivalência dos falsos heróis ou dos anti-heróis, nem se elevam ao estado trágico dos deuses gregos. São personagens humanas, cheias de defeitos, equivocam-se, arrependem-se, hesitam, actuam no palco movediço e lamacento da humanidade. Gosto especialmente de Decision at Sundown pelo inusitado do tema. O palco da narrativa é a pequena cidade de Sundown, microcosmo de um mundo aquém do que podia ser. Lugar pelo qual as pessoas se apaixonam para, nele estabelecidas, logo se decepcionarem. Boetticher oferece uma relevância extraordinária a personagens aparentemente secundárias, conseguindo uma caracterização muito eficiente do ambiente social. Do barbeiro coscuvilheiro ao juiz de paz hipócrita, passando pelo xerife corrupto, a soldo do “dono” da cidade, há toda uma personificação do local que desloca o centro da atenção do particular para o geral. Nem na exploração da psicologia dos intervenientes cai na vulgaridade. Antes pelo contrário. O “dono” da cidade não é um rancheiro implacável, um Marshall corrupto, um juiz ambicioso ou um facínora qualquer. É um galã que treme no momento de enfrentar os seus inimigos, rabo de saia prestes a casar contra a vontade e os desejos da amante. Situação curiosa, a deste homem que espera pela noiva com a amante sentada à sua frente na primeira fila da igreja. Quem interromperá o casamento é Bart Allison (Randolph Scott), marido encornado que vem vingar não sabemos bem o quê. Desempenho extraordinário de Scott, este marido enraivecido, tomado pelo desejo de vingança, assaltado pelo ódio, descontrolado. Mais tarde ficaremos a saber que a sua mulher se suicidara pouco antes de ele ter regressado da guerra, e que Tate Kimbrough, objecto da fúria de Bart, foi apenas um dos vários homens com quem ela andou enrolada. Coincidirá o momento da revelação com o despertar de toda uma cidade. Aquele dia tão especial em Sundown, desde o precipitar dos acontecimentos até à partida dos principais intervenientes, coincide com um casamento que não nos é mostrado: o casamento da cidade com os seus habitantes, que dela andavam divorciados por culpa de um homem desonesto. A reconquista da dignidade de toda uma comunidade, sucede da forma mais inesperada, movida por um homem traído, equivocado nos fundamentos dos seus propósitos, debilitado pelo total descontrolo que as suas acções revelam. Há uma direcção irónica, porventura cínica no mais clássico dos sentidos do termo, que atravessa todo o filme. Sundown é uma arena onde o confronto essencial não é tanto entre as forças oponentes, como parece ser dos homens consigo próprios. E nesse aspecto, este western desenhado por Budd Boetticher desconstrói a mitologia do Velho Oeste tornando-a “humana, demasiado humano”.

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