sábado, 11 de janeiro de 2014

NOSSO SENHOR DAS MARÉS



O sol das manhãs usurpa aos candeeiros toda e qualquer utilidade, mesmo quando entre ambos se intromete o sombrio magistrado das tempestades.


Mas até esse cede às marés no tribunal das praias.


E quando, afadigados, percorremos com os olhos as encostas do Atlântico, percebemos que é na terra que o mar começa.


Ao largo, vagas sucessivas invadem nossos campos de batalha com cabeleiras de espuma salgada.


O vento traz-nos o sal ao rosto, defendemo-nos com a gola das camisolas, a lã do corpo. Avisam-nos de perigos eminentes.


Mas temerários avançamos pelos corredores do tempo. Escavados à unha, abrem-nos o caminho de uma estranha esperança.


É aqui que a terra abre as portas ao seu Senhor, rei universal de todos os naufrágios.


Devagar nos aproximamos da sua voz.


Para aí quase chegados calarmos o fôlego enquanto nos previne o temor das marés.


Novamente fundo respiramos, o peso do corpo equilibrado sobre as pedras, a rocha que trava o vento, passadeira estendida à chegada do Senhor.


E entre dois braços de armaduras petrificadas, ele atravessa imponente o trilho do tempo. Em terra transforma a rocha, da terra faz areia.


Para que por fim nossos olhos se curvem a seus pés, enquanto indiferente ao gesto ele se ergue ao sol das manhãs.

2 comentários:

je suis...noir disse...

Gosto tanto:)

hmbf disse...

Grato. Um senhor que mete respeito, este nosso senhor.