quando a levam, em ombros,
até à campa, sem mais delicadeza
do que a que teriam a transportar mobília barata,
como um frágil guarda-fatos de ripas,
cheio de roupa velha e cabides,
ou um serviço de jantar incompleto
embrulhado em desperdício e jornais.
Se me pedissem a minha opinião, diria
que a desarrumação se dá bem
com a poesia, sugere uma vida
levada contra qualquer regra,
por entre estantes em desordem, mesas
soterradas debaixo de uma avalanche de rascunhos,
numa casa que é a de qualquer um
que por acaso toque à porta.
Na cozinha um fervedor de leite,
do samovar brota o fumo,
um mês de saladas que azedaram.
Do mesmo modo, talvez nunca
te tivesses dado ao trabalho de te vestires,
ou de te maquilhares, para responder a cartas,
ou pagar as contas. Desde a sua extremidade
esboroada, desfaz-se o terreno do cemitério
em múltiplas, indefinidas, vidas possíveis,
cada uma menos ordenada, menos disciplinada,
e, ainda depois de todos eles,
a história aprende já a ignorar-te,
apesar da presença da equipa de filmagem
e do luto dos presentes, que bem podiam ser
espectadores que enchessem um estádio
ou o turno da noite a caminho de casa.
Admite-o: tem a sua atracção, este
rude enxovalho das coisas:
podias raspar-te para um canto sem que te notassem
e ver, contendo um sorriso
que diz: «Que leve que ela é, com que facilidade
eles a erguem acima da cabeça,
não é mais pesada do que uma criança ou um poema,
não mais sólida do que o sermão do padre
sobre as caducas leis da gravidade.»
Sem peso, pé ante pé, recuas,
deixas o cemitério, como um convidado tímido
ainda desconfiado do convite,
vais para casa, para qualquer uma das vidas que levaste
sem deixar sequer uma impressão digital
uma pestana perdida que se apanhasse
no olhar infirme da câmara
circundando o limite da ausência.
Martin Mooney, in Estradas Secundárias - doze poetas irlandeses, selecção, posfácio e tradução de Hugo Pinto Santos, Artefacto, Junho de 2013, pp. 137-139.
2 comentários:
Gostei muito.
Eu também.
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