Cito João Lopes, crónica publicada no Diário de Notícias
a 27 de Fevereiro de 2011: «O western, por exemplo. Hoje em dia tratado quase
sempre como coisa pitoresca, com uns brancos a cavalo e uns índios aos gritos,
o western representa um património admirável de narrativas e mitologias, de
imensa complexidade ideológica e política (quem disse que a cultura popular é
simples?), enraizado na história americana da expansão para oeste, mas cuja
filosofia existencial encontrou eco em muitas outras culturas. (…) Desde as
epopeias de John Ford (1894-1973) até às revisões críticas de Sam Peckinpah
(1925-1984), o western foi palco de muitas e fascinantes contradições,
espelhando as ânsias redentoras de uma nação à conquista do seu espaço natural,
ao mesmo tempo integrando de modo mais ou menos elaborado as contradições
(humanas, morais, simbólicas) de tal odisseia. É uma pena que tenham caído
quase no esquecimento westerns como os que Randolph Scott (1898-1987)
protagonizou sob a direcção de Budd Boetticher (1916-2001). Penso, por exemplo,
em Seven Men from Now/Sete Homens para Matar (1956), Buchannan Rides
Alone/Têmpera de Herói (1958) ou Ride Lonesome/O Homem Que Luta Só (1959). São
filmes cuja subtil relação material com a terra e os seus heróis lhes conferiu
também um apelo intemporal, da mais fascinante abstracção». Não podia estar
mais de acordo. Se tivesse que escolher apenas dez westerns para esta lista, Ride
Lonesome estaria entre os escolhidos. É um dos meus filmes preferidos. Ponto.
Aqui chegado, perdoar-se-me-á a preguiça. Sugiro que escutem Martin Scorsese:
À semelhança de outros filmes do Ranown Cycle, também
este tem por mote dramático o desejo de vingança. Mas aqui a personagem
interpretada por Randolph Scott, um caçador de prémios chamado Ben Brigade,
adquire características lacónicas que escapam às suas outras interpretações. Este
laconismo reforça a aura enigmática da personagem, oferecendo ao desenrolar da
acção um interesse redobrado. O filme começa com a captura do assassino em fuga
Billy John. Brigade pretende levá-lo até Santa Cruz, onde a forca aguarda o
homicida em troca de um prémio especial para os captores. O desenvolvimento da acção
corresponderá, assim, ao desvelamento progressivo das verdadeiras intenções de
Brigade. Para tal contribui o facto de se lhe juntarem dois foras da lei, Sam
Boone e Whit (este, interpretado por um jovem de seu nome James Coburn), que
também estão interessados no prémio estipulado pela captura de Billy John. No
entanto, se a Brigade parece interessar apenas o dinheiro do prémio, à “sociedade”
Sam & Whit interessa a outra parte do mesmo: amnistia pelos crimes
anteriormente cometidos. Sam quer refazer a vida, tem um terreno onde pretende regressar
para aí começar de novo na companhia de Whit e, quem sabe, de Mrs. Carrie Lane,
viúva do chefe de uma estação recentemente assassinado pelos mescaleros. Brigade,
Boone, Whit e Mrs. Carrie Lane seguirão em conjunto, carregando o algemado
Billy John pelo caminho. Num filme todo ele filmado em exteriores, os planos
gerais, de uma fotografia excepcional, são opção que permite intensificar o
esforço dos pontos minúsculo em movimento na paisagem. Perante a
grandiosidade geral, o aspecto ínfimo dos seres humanos assim representados
torna o discurso quase religioso. Boetticher não precisa de focar o rosto das
personagens para revelar a sua psicologia, optando pelo chamado plano americano
nas cenas que aproximam os intervenientes. A intimidade entre estes
companheiros de viagem fica relativizada pela distância nunca desfeita, estabelecendo-se entre alguns dos intervenientes diálogos que ameaçam a
desintegração do grupo. O termo do filme é, pois, de um romantismo exasperante.
Descobriremos que o objectivo de Brigade, afinal, não era o prémio oferecido pela
captura de Billy John, mas sim atrair o irmão deste para um velho ajuste de
contas. Frank (interpretado por um omnipresente Lee Van Cleef), irmão de Biily
Johhn, é o verdadeiro interesse de Ben Brigade. As sequências finais são de uma
tensão dificilmente resistível, sendo o remate do filme provavelmente dos
melhores alguma vez filmados. A carga simbólica do travelling que se desloca de
um plano onde observamos Brigade de frente para a “árvore dos enforcamentos” em
chamas para o fumo que resulta das chamas é impressionante. Revela, como afirma
Scorsese, um homem finalmente liberto das assombrações passadas. Aquela árvore
em chamas é um homem a enterrar o seu passado (fumo, cinza), cumprida que está a sua
derradeira tarefa: vingar o assassinato da mulher.
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