Tenho um carinho especial por notas de rodapé. Muitos
leitores não lhes ligam, passando ao lado de grande parte do interesse dos
livros. Há mesmo livros que valem pelas notas de rodapé. E é bem provável que
alguns sejam, no seu todo, uma longa nota de rodapé. Um dia também as notas de
rodapé terão direito à sua honra e glória, talvez com uma antologia, uma enciclopédia
ou uma simples recolha de notas de rodapé. Não é o caso de A
Vida e Opiniões de Tristram Shandy, reunido em duas partes na edição portuguesa
da Antígona, onde descobri uma nota de rodapé que pode abrir portas imensas
para a vida feliz:
Francisco de Vallés (1524-92), médico espanhol e comentador
de Platão, autor de Controversiarum medicarum et philosophicarum (1564). Ou,
eventualmente, Valésio, fundador da seita dos valésios (séc. III). Considerando
pecado a perpetuação da espécie, os valésios mutilavam-se e pregavam essa
mutilação.
Associo a possibilidade da vida feliz à incerteza hermenêutica
sobre as alusões do texto original, adiantando que, segundo um dicionário
enciclopédico de teologia disponível on-line, fiquei a saber que os valésios se
castravam tanto a si mesmos como aos seus hóspedes, julgando servir a Deus
dessa maneira. Faz sentido, sobretudo se considerarmos a castração uma
aproximação ao estado angelical.
Nota de rodapé: por aqui se constata que sempre esteve o mundo cheio de castradores.
Nota de rodapé: por aqui se constata que sempre esteve o mundo cheio de castradores.
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