sábado, 1 de fevereiro de 2014

COMANCHE STATION (1960)


Comanche Station/Emboscada Fatal (1960) é o último filme do Ranown Cycle. Juntam-se a Randolph Scott quatro actores numa jornada fatídica: a bela Nancy Gates, o experiente Claude Akins (presença assídua em vários westerns, tais como Rio Bravo, The Lonely Man ou Man With The Gun) e os jovens Skip Homeier e Richard Rust. Bud Boetticher (1916-2001) recupera e aprofunda neste filme vários elementos de Ride Lonesome (1959), chegando a criar entre as duas obras elos narrativos e visuais evidentes. Numa cena, reencontramos a árvore que marca e encerra o filme de 1959. Desta feita, totalmente queimada. Aquele tronco negro e ressecado da “árvore-da-morte” gera entre o Ben Brigade de Ride Lonesome e o Jefferson Cody de Comanche Station uma teia psicológica complexa. São ambos homens marcados por feridas passadas, em busca de algo que alivie a dor que carregam. O primeiro queria vingar-se da mulher assassinada, o segundo pretende encontrar a mulher capturada pelos comanches. Ou seja, cada um à sua maneira, buscam ambos um termo para o sofrimento na base de uma esperança que move intenções diversas. Há uma cena em Comanche Station da qual gosto particularmente, por na sua aparente superficialidade ser uma metáfora desta personagem estranha encarnada por Randolph Scott. A determinada altura, os fora da lei que se juntam a Jefferson Cody tratam uma mula ferida por uma seta com um unguento poderoso. Segundo Ben Lane, líder do grupo, este unguento tudo consegue curar. Cody está debruçado sobre a cerca do curral, observa atentamente a desajeitada intervenção veterinária dos jovens pistoleiros que acompanham Ben Lane. A mula reage com coices, afasta tudo o que se lhe aproxima. Quando se acalma, finalmente tratada, Cody sorri. Mas o seu sorriso não é de alegria ou de satisfação, esconde uma espécie de desencanto. Também ele quereria uma pomada mágica que lhe curasse as feridas, feridas profundas, feridas da alma. Muita gente olhará para aquela cena sem interesse, julgando não haver diferença entre ela estar ali ou não haver sido sequer filmada. Mas nos westerns de Boetticher nada acontece por acaso. Repare-se como, ao contrário do que é usual, este herói solitário não sai totalmente vitorioso da sua jornada. O filme relata toda uma sucessão de pequenas vitórias, é certo. Cody consegue negociar com os índios uma mulher branca, vence os comanches em duas emboscadas, vence o fora da lei Ben Lane quando este lhe tenta roubar Nancy Lowe para ficar com a recompensa de 5000 mil dólares oferecida pela sua recaptura, consegue entregar Nancy nos braços do marido que a espera em casa. Marido esse que, para espanto de Cody, é cego. Porém, sendo cego, consegue voltar a ver a sua mulher. Algo que Cody procura alcançar há dez anos sem sucesso. A personagem de Jefferson Cody tem este lado sentimental, a sua solidão é absoluta. Por momentos, consegue distrair-se da mesma. Chega a denotar paixão por Nancy. Mas são breves instantes que não compensam a dor da perda, a angústia da procura. É persistente, firme, corajoso, mas reflecte também uma dimensão afectiva que acaba por ser comovente e faz dele um dos heróis especiais do Velho Oeste. Este filme encerra um ciclo singular sobre figuras carismáticas da identidade norte-americana, mas também sobre homens estigmatizados pelo lado trágico das relações amorosas. Do marido traído (Decision at Sundown) ao homem que procura a mulher desaparecida (Comanche Station), passando pelo viúvo em busca de vingança (Ride Lonesome), temos uma ampla panorâmica de sentimentos fundadores de uma espécie de ética do amor, sentimentos que resultam em decisões ambíguas, acções contraditórias, gestos ambivalentes, mas definem com inquestionável congruência os alicerces da masculinidade. 

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