domingo, 2 de fevereiro de 2014

VALENÇA


Por outro lado, podes também perguntar-te de que vale ao tempo ter ponteiros? Talvez como tu ele preferisse ter asas. Mas como tu ele não voa, rasteja. E tem veneno nas horas.


O vento semeia o veneno para que dele nasçam muralhas. Geradas na terra, afundadas na lama da história, iludem o desconforto das estações com uma ideia de perenidade. Basta olharmos as árvores despedidas, fruto extinto… 


…que o labor das mãos não renova. Estamos de vigia às águas do rio, o lugar não visto dos mortos onde ninguém mergulha duas vezes. Nem a sombra das árvores despidas. 


Indiferente ao tempo, um gato solitário percorre seu caminho. Queria como ele saber caminhar pausadamente. Nem voo nem pausa, apenas um tremor desajeitado nos olhos que através dos olhos se mete no sangue e se espalha pelo corpo. O veneno. 


Não pensar, talvez. Libertar a vontade e o desejo dos labirintos funestos do pensamento. Que tudo fluísse apenas como as águas do rio, as nuvens do céu, os vapores do tempo imensurável. O som da trovoada.


Feliz por apenas ser. Nem sequer feliz, por felicidade não haver nos nervos da terra, no sangue das pedras, no músculo da erva. Ser apenas uma coisa que voa, como voam todas as coisas contentes de si próprias, salvas da vontade, libertas da ambição.

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