Iniciada a leitura de Catatau, romance de Paulo Leminski,
fica-me a cabeça às rodas como terá ficado a de Descartes em terras de Vera
Cruz. Não preciso experimentar o estalido das ervas, «riamba, pemba, gingongó,
chibaba, jereré, monofa, charula, ou pango», bastam as palavras e seus cheiros,
aromas, fragrâncias. Tal Mitrídates, estou a salvo de venenos linguísticos.
Provo de todos para ficar imune. «Mitrídates pôs o corpo real sob o império dos
venenos, — toxicus, a graecis videlicet sagiticus aut sagitarius, quasi sagitae
venenum dicitur, — afeito a tê-los pelo sangue sem detrimento no viver, antes
com estados nunca sidos. Alguma dúvida, ou fazemos uma concessão à má natura?» Corro à
enciclopédia em busca do inimigo de Roma. Matou familiares, massacrou romanos
sem olhar a género nem idade, acabando refugiado e suicida. Diz a lenda que
falava vinte e cinco línguas e que procurou salvaguardar-se de eventual
envenenamento habituando o corpo a todos os venenos que conhecia, tomando doses
meticulosamente preparadas de cada um deles até o corpo ficar imune. Ao tentar
suicidar-se com veneno, tolerou a dose administrada. Pediu então a um
servo que o matasse com uma espada. Que importa a verdade quando a lenda é boa?
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