sábado, 15 de março de 2014

ELEVADOR


Sei, hoje, exactamente aquilo que falhei:
não senti a dor até ao fim. Fugi
antes que ela se tornasse coisa nenhuma
e fosse já nada diferente de mim, do que sou
antes, depois, durante as coisas sensíveis
tangíveis, tacteadas, apalpadas na escuridão
dos anos.
Sem luz nem cor nem beleza possível
de julgar.
E, súbito, tudo são corpos a cair contra corpos
imaginar é o dom que lhes foi dado.
imaginar a beleza e a fealdade, o longe e o
perto que se está de cada coisa.

Nenhuma vitória me ensinará mais que um naufrágio
nenhuma vida é mais vida por ter mais risos que palhaços
menos esperas que encontros.
A vida eterna não promete o sol nem o calor nem a riqueza nem
abraços. Os livros
falam da paz. E da paz só. A paz apenas prometem, por isso
sei, hoje, o que sonhar para a morte.
Subo e desço das camas, das cadeiras, dos lugares
agarro-me ao que acaba como se o mar me fosse engolir depois
enquanto as trevas rodam em torno da terra e
deixam intervalos de luz,
corro contra as horas
para não chegar tarde, para não ser esquecido
para não me mentir

mas o que importa é subir e descer, manter-se
à superfície de si mesmo, não interessa em que mar
as camas, as cadeiras, os lugares, os corpos sem cor
continuarão antes depois durante os intervalos de luz
e só eu poderei responder à morte
a que preço está a vida eterna,
em quantos anos pagarei
os juros do empréstimo
com que comprei a paz.

Alexandre Borges (n. 1980), in Heartbreak Hotel. Com uma obra multifacetada, não é muita a poesia que se conhece de Alexandre Borges. Publicado em 2005, Heartbreak Hotel revelou uma poesia instável em termos expressivos mas com alguns momentos promissores. Versos de extensão variável, em poemas com uma forte inclinação narrativa, articulam imagens (por vezes redundantes) de um quotidiano indolente com a nostalgia do futuro por cumprir. Sobressai a competência auto-reflexiva, ao mesmo tempo que uma linguagem evocativa de elementos triviais joga com ironia a consciência da queda, do fracasso, do “rodopio do tempo” que tudo condiciona. «Os poemas, cujos títulos equivalem a números de quartos de hotel (à excepção de dois, intitulados Recepção e Elevador), sucedem-se à maneira de sequências cinematográficas. É este, definitivamente, um filme (..) onde o amor se mistura com a dor dos dias comuns, com uma recusa (in)voluntária do mundo, com a solidão, com uma espécie de sentimento de deslocação».  

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