Há uma perversidade congénita na acção política: ao adoptar
a retórica enquanto ferramenta persuasiva, o político descurou o exemplo. Conquistado
o poder, a retórica inflecte no sentido da perpetuação desse poder. A quem um
dia possa usar botões de punho, nada mais interessará senão manter botões de
punho. Nenhum político deveria almejar cargos de chefia sem ser na base do
exemplo, premissa geradora de um problema básico: em democracia é raríssimo o
político que não chegue ao poder na base da retórica (geralmente demagógica, interesseira,
pretensiosa). Ora, os eleitores desinteressam-se da política quando se
apercebem de que esta é o palco falacioso onde uma elite se debate por cargos e
interesses meramente pessoais. Os partidos do chamado "arco do poder" transformaram-se em estágios profissionalizantes,
assentando o seu método num afastamento dos pretendentes ao trono das massas
governáveis. É-lhes fundamental criar esta distância, pois ela garantirá a distinção
entre governantes e governáveis. A própria transformação do político num actor,
qual estrela de cinema, desvirtua um elo pré-existente entre aquele que elege e
o eleito, elo esse cada vez mais debilitado pela desconfiança daqueles
relativamente a estes. Até porque, manda a natureza humana, todo o eleito
merece desconfiança. Caídos na teia da espectacularidade política, temos duas
opções: ou mudamos de canal ou desligamos a televisão. Meros espectadores de
uma novela degradante, vemo-nos, enquanto eleitores, perdidos num labirinto de contradições,
ambiguidades, paradoxos que ninguém parece estar disponível para esclarecer. Até
porque, na realidade, não convém. Esvaziados de conteúdo ideológico, os
conceitos transformam-se em palavras de circunstância: servem para tudo menos
para desbravar caminho no sentido de uma consciencialização política efectiva. São
mera propaganda, slogan publicitário, vende-se um produto como banha da cobra. Logro.
Quanto mais desinformado e desamparado estiver o cliente, melhor. É facilmente
manipulável, vai na canção do bandido. Assim se agrada a gregos sem inquietar
troianos. Eis a pasmaceira, a letargia hegemónica das democracias ocidentais
comandada por políticos profissionais cuja primeira preocupação é disfarçar o
seu profissionalismo (veja-se o actual PR), ou seja, adulterar o currículo negando
a natureza política das suas práticas. Talvez se julguem dessa forma mais próximos
dos verdadeiros poderes que trazem em mente (financeiro, económico), deixando à
ralé a ingrata tarefa de separar o trigo do joio num contexto em que, à falta
de trigo, tudo parece ser joio. Mas nem tudo é joio. Eu ainda acredito que no cenário
degradante a que fomos expostos há quem procure fazer a diferença através de
uma real proximidade entre eleitores e eleitos, ousando em propostas porventura
impopulares que merecerão o seu julgamento conforme a capacidade de fazer
chegar a mensagem a quem está desinteressado e alheio. O caminho parece difícil
e exigente, mas cabe questionar, neste momento, se não será preferível fazê-lo (sozinho?) a continuar mal acompanhado. E por fazê-lo (sozinho?) não se entende ensimesmado,
entende-se livre e autodeterminado.
P.S.: é verdade, não nego nem apago, que em 2009 outras dúvidas me assaltavam (aqui). Mas a indiferença já não me chega, tanto foi o que perdemos nos últimos anos. Não deram por nada?
P.S.2: leituras recomendadas:
P.S.: é verdade, não nego nem apago, que em 2009 outras dúvidas me assaltavam (aqui). Mas a indiferença já não me chega, tanto foi o que perdemos nos últimos anos. Não deram por nada?
P.S.2: leituras recomendadas:
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