quinta-feira, 22 de maio de 2014

ONE-EYED JACKS (1961)



Todo o cinéfilo que se preze recordará Marlon Brando (1924-2004) como o excelente actor de On the Waterfront (1954) ou The Godfather (1973), para mencionar apenas dois filmes que lhe valeram a estatueta dourada. Poucos lembrarão a sua presença em The Missouri Breaks (1976), de Arthur Penn (1922-2010). Mas praticamente ninguém saberá que Brando também esteve sentado atrás das câmaras. Realizou um único filme, curiosamente um western. One-Eyed Jacks/Cinco Anos Depois (1961) mereceu uma nomeação da Academia para a categoria de melhor fotografia (responsabilidade de Charles Lang), chegando a ganhar alguns prémios no festival de San Sebastián. Inicialmente, era para ter sido assinado por Stanley Kubrick. Desentendimentos entre Kubrick e Brando acabaram por afastar aquele, tendo este tomado nas mãos a tarefa do realizador. O elenco conta com personalidades conhecidas do universo western, tais como Katy Jurado (High Noon, Pat Garrett & Billy the Kid), Ben Johnson (Rio Grande, Shane, Hang ‘Em High, The Wild Bunch) e Elisha Cook Jr. (Shane, The Indian Fighter, Day of the Outlaw, El Condor, Pat Garrett & Billy the Kid), embora a estrela da companhia seja Karl Malden. Malden já tinha contracenado com Brando em filmes emblemáticos, tais como A Streetcar Named Desire (1951) e o supracitado On the Waterfront (1954). Em One-Eyed Jacks a parelha supera-se nos paradoxos e nas ambiguidades. Baseado na história verídica de Billy the Kid, o argumento, escrito originalmente por Sam Peckinpah, foge à convencionalidade bio-historiográfica chamando para o centro das atenções uma pungente história de amor. Rio (Marlon Brando) e Dad (Karl Malden) são dois assaltantes de bancos que actuam na zona de Sonora (México). Após uma perseguição, Rio fica sozinho no alto de uma colina à espera que Dad regresse com cavalos frescos para a fuga. Mas Dad não regressa, e Rio acaba por ser capturado. Cinco anos depois, consegue fugir da prisão de Sonora e junta-se a outros bandidos com uma dupla intenção: voltar a assaltar bancos e reencontrar Dad para se vingar. Reencontrá-lo-á em Monterey (Califórnia) na posição de sheriff Dad Longworth, casado com Maria Longworth (Katy Jurado) e pai adoptivo de Louisa (Pina Pellicer). Os cenários conseguidos na costa de Monterey são especialmente cativantes. Poucos westerns têm como palco zonas costeiras, praias e dunas, em muito poucos a robustez dos cavalos contrasta com a imponência das ondas do mar.  One-Eyed Jacks ganha imenso neste aspecto, sendo particularmente convincentes as sequências passadas no cenário marítimo que enquadra o amor entre Rio e Louisa e, posteriormente, o período de convalescença de Rio após a tortura infligida por Dad. Embora a intenção inicial de Rio fosse vingar-se da traição de Dad matando-o, o plano muda de figura quando se apaixona por Louisa. É esta a história de amor que pautará o filme, muito mais interessante nas cenas finais por nelas se misturarem elementos típicos do western clássico (traição e vingança) com elementos mais identificáveis em dramas familiares e tragédias amorosas. Rio não é um bandido tradicional, nele esconde-se uma propensão para amar que a paixão por Louisa acabará por espoletar. Uma excelente interpretação da bela Pina Pellicer confere à figura de Rio uma fragilidade emocional que não é comum nos bandidos da sua estirpe. Não me refiro às perturbações psicológicas que geralmente afectam tais personagens, refiro-me antes a uma ductilidade entre ambos que transforma gestos inicialmente mal-intencionados em ingénuas práticas de sedução. É como se na presença um do outro um deles (ele) parasse e o outro (ela) crescesse, completando-se com o magnetismo fundador dos grandes casais amorosos. Perante Louisa, a máscara de Rio tomba. Com o mar em pano de fundo, os cinco anos de cárcere que alimentaram a raiva e o ódio de Rio desaparecem. Nela, ele encontra um amor redentor, expia os pecados deixando a verdade vir à tona do discurso, pois já não tem para Louisa a mesma atitude embusteira que o vimos ter para com outras mulheres. Há uma poalha que acompanha esta história no início que adquire no final uma inusitada luminosidade. Os duelos entre homens feridos perdem significado quando confrontados com a batalha amorosa entre Marlon Brando e Pina Pellicer. Ascendemos a um outro plano, um plano onde a derradeira cartada excede a desconfiança entre os jogadores. Deixa de haver bluff, é tudo claro e autêntico.

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