A simplicidade é a casa dos últimos
e dos raros, o espaço que mais
demora a construir. As suas
paredes são de silêncio, a sua
matéria a luz que, no seu e no
nosso devir, une e destrói a vida, a
casa que se completa. À medida
que se vive, e os dias vão acumulando
a porosidade e o lodo, a casa é o
espaço não habitado do fogo a que
sempre regressamos com a força
da labareda inicial. E no fim, quando
se conclui, o seu lugar é sombra, abdicação
e ausência, e é preciso fechar os olhos
com força para ver que existe.
Ricardo Marques (n. 1983), in Eudaimonia (2012). Há na poesia de Ricardo Marques uma busca da simplicidade
que, por vezes, não evita o sentimentalismo. Em alguns poemas de
verso mais largo do que é comum, uma linguagem de pendor clássico cruza-se com um sentir da
actualidade onde percebemos o esforço da compreensão do mundo que transcende as
delimitações impostas pela vida quotidiana. O próprio título Eudaimonia sustenta uma atenção ao belo enquanto aprendizagem da
vida feliz, apontando reflexões mais ou menos problemáticas em versos
atravessados tanto pela luz da espiritualidade como pelas sombras da existência
(aqui marcada pela noção de efemeridade do corpo). Gaivotas e árvores são
metonímias de espaços etéreos e terrestres entre os quais a vida se processa. A
Grécia antiga surge, deste modo, como uma espécie de lugar imaginário compreensível
a partir do contraste que é possível desenhar entre esse ideal e a realidade. De
um mesmo modo, o amor afirma-se pela ausência, a transcendência pelo silêncio, o
mundo pelo tempo. Poemas como Friday Night at Last, Gnossienne ou Portugal
(MMXI) talvez sejam excessivos, banalizando a intimidade que outros, mais
cativantes, apenas insinuam. Ainda assim, Eudaimonia deixa boas referências.
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