quarta-feira, 16 de julho de 2014

A PALAVRA IMPOSSÍVEL


Deram-me o silêncio para eu guardar dentro de mim
A vida que não se troca por palavras.
Deram-mo para eu guardar dentro de mim
As vozes que só em mim são verdadeiras.
Deram-mo para eu guardar dentro de mim
A impossível palavra da verdade.

Deram-me o silêncio como uma palavra impossível,
Nua e clara como o fulgor duma lâmina invencível,
Para eu guardar dentro de mim,
Para eu ignorar dentro de mim
A única palavra sem disfarce -
A Palavra que nunca se profere.


Adolfo Casais Monteiro (n. 1908 - m. 1972), in Noite Aberta aos Quatro Ventos (1943). «Se a tonalidade mais constante nesta poesia é traduzida por palavras como bruma, destroços, incertos, vão, gelado, etc., se o prato da balança, afinal, parece pender decididamente para esse lado negativo, a verdade é que o apelo à luz, à vida, às madrugadas, ao sol, surge a espaços em toda a sua obra como um contraponto, ou antes como a outra fase da mesma condição humana incerta e problemática. Também não se encontra em Casais o grau de transposição e reelaboração que permite considerar grande parte da poesia moderna como uma criação absoluta da linguagem, de que serão paradigmas Mallarmé, grande parte da obra de Rimbaud e de que em Portugal só poderemos encontrar fragmentàriamente alguns exemplos nas obras de Sá-Carneiro e de Fernando Pessoa. Em tais poetas, a visão transfiguradora ou o poder visionário eleva-os muito acima das contradições inerentes à realidade humana na sua dimensão temporal. Em oposição a este tipo de poesia, Casais Monteiro é totalmente fiel ao espaço existencial; por outras palavras, a sua poesia é expressão ao nível da sensibilidade e das vivências autênticas, do fluxo da sua consciência. A sua criação nunca transpõe a realidade imanente, respeitando integralmente a virtualidade desse não sei quê, essa totalidade indefinível e sempre futura (ou dilacerantemente passada) que a sua poesia desvenda como indeterminação essencial. É esta redução à existência sentida como fluxo contraditório, vazio, ansiedade, inquietação, incerteza, o que caracteriza mais fundamente a sua poesia» (António Ramos Rosa, in Poesia, Liberdade Livre). 

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