terça-feira, 15 de julho de 2014

[há que saber que o homem é o poema do homem]


homo homini sacra res.

há que saber que o homem é o poema do homem.
 
há que mascarar o anjo de pintor rupestre
e repetir o homem o homem o homem em todos os murais
há que plantar uma horta por cima dos textos proféticos
há que dar ouvidos aos passarinhos enquanto se tempera a salada
há que lamber os dedos da cria antes que ela escreva uma única palavra.
 
 
Catarina Nunes de Almeida (n. 1982), in Marsupial (2014). Estreou-se em livro com Prefloração (2006, Prémio Daniel Faria e Prémio PEN Club Português para Primeira Obra). Desde então, a poesia de Catarina Nunes de Almeida tem vindo a consolidar a inscrição num território de fusão a que não serão alheios estudos académicos na vertente do orientalismo. Poesia metafórica por excelência, porém de uma clareza discursiva na linha acmeísta, dotada de recursos rítmicos onde encontramos amiúde divertimentos com palavras homófonas e um labor imagético assaz cativante. Ao mesmo tempo erótica e contemplativa, a poesia de Catarina Nunes de Almeida gera pontes entre os conceitos, ergue-se a partir do gérmen onde humano e natural, homem e mulher, mãe e filho se fundem e se encontram. Da superfície para o interior, esta poesia movimenta-se através das raízes até à semente que gera o fruto. Há nestas ligações de índole filosófica uma estética que não abdica, porém, da ética subjacente aos afectos e ao amor enquanto princípios fundadores da existência. Mas há igualmente a manifestação de uma crença na poesia enquanto expressão do essencial, ou seja, dos fundamentos sem os quais a vida boa, que é o mesmo que dizer bela, não se afigura possível.

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