quarta-feira, 9 de julho de 2014

UM POEMA DE JOÃO MIGUEL FERNANDES JORGE

À PRAÇA DA REPÚBLICA

Disseram-me em criança o que era aquilo
que eu estava agora a ver. Disseram-me
que se chamava foder ao mais desejado por
dois corpos. Foder era, pois, aquilo.
Uma folha sobre outra folha
uma pedra entrando numa página.

Não tinha cheiro nem gosto tão-pouco
qualquer ilusão. Ausentes estavam os
sentidos e morava naquilo em que pousavam
centena de olhares, um enlanguescido golpe
sobre golpe. Caralho erigido, agudo;
cona vergada e furtiva. Táctil. Eco
de me terem dito ser aquilo que
eu estava agora vendo: foder.

Nem sequer o saber do tempo
respeitou sonhos de juventude. Nem sequer a morte.
(Mais tarde haveria de ver
dois mármores, lisos, de Fabro, fodendo
nos degraus de umas escadas. Outras pedras
espreitavam na balaustrada
os lamentos, os túmulos, os silêncios, as sombras.)

João Miguel Fernandes Jorge, do livro O Barco Vazio (1994), in Março, Os Remadores no Douro, Edições Asa, Fevereiro de 2002, p. 25.

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