sexta-feira, 31 de outubro de 2014

ACRE E DURA CARNE


Pátria onde nasci   Desespera
vê-la tão seca na matriz
Acre e dura carne (austera)
no coração do meu país

Flor de saibro  O rosto mole
vem da névoa cega e fria
Rastros do carro do sol
carregando o corpo do dia

Ondas de pedra — a fúria nos arcos
da voz: Morda   aguente   e fique!
E os pinhais — cascos de barcos
que navegaram a pique

Mentira o Fado que se toca:
Na pedra mais pedra   mais secreta
abre-se e rasga-se uma boca
onde um pássaro canta e dejecta

Lá   a cabra   o vento   o poeta
naturais de alma e corpo ao léu
trazem nos ventres o demo
e à flor dos cornos o céu


Luís Veiga Leitão (n. 1915 - m. 1987), in Ciclo de Pedras (1964). «Entre os poetas que nos anos 50 se tornaram conhecidos pela opção do realismo social popular e pela combatividade democrática nenhum se manteve mais firme do que Luís Veiga Leitão (...). Caracteriza-se pela recuperação de uma certa ingenuidade directa, muito afectiva, sob uma pretensão de dureza rochosa, numa poesia de resistência ou em textos de testemunho e sonho» (A. J. Sariava, Óscar Lopes, in História da Literatura Portuguesa).

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