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apenas posso cantar as imagens. apenas posso cantar
imagens de imagens; tão-só posso cantar
o invisível movimento das imagens; tão-só posso cantar
o que se canta a si mesmo, sem fixar a rosa
no cume das águas erguidas a prumo até onde (o) nada se vê.
porém, entre o movimento do cinzel, a invisibilidade do mundo,
a escuridão da água rasa em torno dos olhos
e o florescimento do pó, sei que
o poema, esse gesto antiquíssimo, sei que o poema dirá
o enorme talento dos minerais, e que tu, imagem do meu sono
nos interstícios das coisas, tu, estátua, tu
havias de dizer as metáforas todas enfileiradas, de rosto voltado
para a penumbra do pó semeado entre os dedos;
e sei que tu haverás de dizê-las,
por fim, maduras para a escuta de todos os líquidos perecíveis
e do coração do pó estremecendo onde
o gesto coincide com o som,
sei que tu haverás de dizer o lugar
onde as imagens sempre se detêm para ouvir
a íngreme loucura do coração, o lugar onde
finalmente o mármore amadurece
na epiderme da escuta em que o poema ressoa
através do imóvel tímpano da pedra
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hei-de cantar que no poema as imagens
são essas rosas de mármore semeadas no flagelo
que as mulheres costuram ao peito
cada vez que cantam no sono de quem
imagina por gesto e música o ocluso coração da pedra,
de quem sabe que as imagens são
também a floração mineral do sangue
entre os dedos auscultando
o sono e o branco coração
do pó
Luís Felício (n. 1982), in o som a casa (2010). Com formação em História e Filosofia, este poeta natural de
Tavira pratica uma poesia muito distante da sobriedade vocabular e metafórica
caracterizadora da maioria dos seus contemporâneos. Num diálogo aberto com as
tradições simbolista e surrealista, os poemas de Luís Felício estilhaçam a prosódia
linear da chamada poesia da experiência assegurando uma impetuosidade imagética
invulgar. Não deixa de ser curiosa a atribuição de alguns prémios, nomeadamente
por se tratar de uma linguagem de difícil acesso capaz, é certo, de recriar
momentos de puro deleite plástico em articulação com a demanda de uma
musicalidade que repercute minuciosa escolha de palavras. Imagem e som são
o sentido primevo desta poesia, nele devemos buscar o significado que evita descrições
concretas, apontamentos quotidianos, confissões hiper-realistas e banais, ou
mesmo aquele tom ao mesmo tempo irónico e melancólico, quando não satírico e
humorístico, que prolifera na poesia portuguesa actual, optando por
inscrever-se na estranheza por vezes radical de uma anti-discursividade ligada
ao real através da dispersão de elementos que reflectem a situação
sempre anómala do sujeito poético.
2 comentários:
sou o próprio.
gostei deste artigo.
boa descricao do que tenho feito.
visito de quando em quando este blog.
boa continuacao:)
cumprimentos
saúde
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