Não foi por acaso que Caymmi exigiu gravar a série das
praieiras em seu primeiro long-play, de 1954, chamando justamente Canções
Praieiras, em formato voz e violão (procedimento quase inusitado na época). É
que o violão de Caymmi, nas praieiras, não é um violão de acompanhamento, mas
antes um recurso como que cinematográfico: ele cria um setting, compõe uma
paisagem, estabelece um cenário.
Como seu violão consegue isso? Não exatamente imitando,
mas se transformando nas coisas que quer mostrar; em «O Vento» (canção praieira
que entretanto não consta desse primeiro LP), o violão dissolve-se, como se
fosse o próprio fenómeno da natureza; em «Canoeiro», o violão vira um remo que
bate na água, um braço que puxa a corda, um corpo que colhe a rede; em «O Mar»,
o violão, primeiramente, espraia-se, tornando-se o movimento mesmo da maré,
depois se torna dramático, para contar a história de Pedro e do enlouquecimento
de Rosinha. Esse violão mimético, proteico, transformando-se nas coisas
consegue apresenta-las; daí o «sentido profundo» - e paradoxal – desse figurativo:
trata-se de uma figuração abstrata, uma figuração que se dá ao nível da
música, linguagem abstrata por excelência (as palavras «representam» as
coisas; os sons, em princípio, não).
Francisco Bosco, in Dorival Caymmi: o pai da Bahia, LER
n.º 134, Junho de 2014, p. 76.
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