Anda por aí um anúncio da Vodafone
com criancinhas a debaterem-se por uma sobremesa ou objectos tais como uma
camisola, um skate, o comando da televisão, a coleira do cão. Reclamam aos
berros a presença do pai para a resolução do conflito. São irritantemente betas
e mal-educadas, lembram uma personagem de Charlie e a Fábrica de Chocolate. Cenas vulgares, quem tem filhos sabe disso. A verdade é que, falando por mim,
raramente sou solicitado para a resolução de conflitos do género. Entre
aguentarem uma palestra sobre os méritos da partilha ou verem-se privadas do
objecto causador do conflito, as minhas filhas preferem resolver o problema
entre elas. No anúncio, a solução encontrada pelo pai é distribuir smartphones,
julgo que são smartphones, pelas criancinhas. E lá vão elas sossegadas no banco
de trás do carro, cada uma com o seu telemóvel, enquanto a mãe as olha
embevecida para depois se voltar para o homem da família e concluir descansada:
«boa, pai». É o anúncio mais estúpido que vi nos últimos tempos, e não me
refiro ao pormenor sexista da mãe ir no lugar do pendura. Aquele pai, aquele
bom pai, é o típico exemplo de um esvaziamento ético que predomina na sociedade
actual. Para ele, a partilha não se resolve partilhando. O bom capitalista cede
às virtudes do consumo e cala as meninas com um telemóvel para cada uma delas (com tarifário especial, claro, a pensar no conforto das famílias). O bom pai cala
as filhas enchendo-lhes a boca com chocolate, por assim dizer. Isto tem as suas
vantagens, como é óbvio. Uma delas, talvez a mais visível, é a grande vantagem
destes utensílios pós-modernos: evitam conversas estúpidas. Não sabemos é se a
estupidez das conversas que se ouvem hoje em dia vem da falta de prática ou das
próprias pessoas, cuja permeabilidade a este tipo de soluções é por demais
evidente. Entretidas com os telemóveis, podem famílias inteiras crescer em
silêncio. Chegará o dia em que sentar-se-ão à mesa e não se recordarão dos
nomes uns dos outros. Para quê? Têm o número de telefone, só isso interessa.
4 comentários:
pensei o mesmo, Henrique.
mas também pensei que se falasse com um publicitário, ele era capaz de me dizer que o anúncio também tem essa vertente, da "indignação".
mas não acredito nisso, é "patranha" de publicitário. até porque é a primeira vez que dou por alguém a escrever sobre o assunto. e não é a primeira vez que o consumismo finta toda e qualquer ordem das coisas.
Henrique, talvez por sermos pais (bons ou maus, não seremos certamente como o homem do anúncio), também fiquei estarrecido. O apelo ao consumismo é algo que mexe negativamente comigo, e vê-lo já direccionado aos mais novos, com tanto propósito e insensibilidade social, lembra-me que estamos mesmo no fundo. Por outro lado, é obsceno 'entender-se' que se pode anular a responsabilidade de uma boa conversa com a oferta de um novo gadget. Por outro lado, é frustrante a minha conversa já desfasada da realidade, quando digo ao meu filho que ele não pode ter todos os jogos e consolas que possam existir no mercado; pois basta chegar ao colégio e conversar com os colegas para se sentir 'inferior' ao não ter isto ou aquilo. Porque, se dá na televisão, é porque existe e é normal, e é este 'conceito' que tem de ser arruinado.
Meu caro, há já alguns anos que o leio no universo bloguista e pensei dizer-lhe que os seus textos me deixam menos só. Obrigado.
Luis, a publicidade ainda há-de salvar-nos. Força!
Fernando, tenho saudades tuas. Abraço,
Esculpices, a jorna está paga. Muito agradecido.
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