A certa altura, no meio das entrevistas que deu agora, disse uma coisa que me surpreendeu. Que foi, a certa altura da sua vida...
Posso só interromper? Eu queria que esta fosse a última e depois não houvesse mais entrevistas na minha vida. Em Portugal. Porque não faz sentido. As pessoas têm direito aos livros, mas aquilo que eu digo são banalidades.
Isso é diferente, um bocadinho, das apresentações. Já disse que não deve haver sessões de lançamento de livros, apresentações...
Sim, nunca mais fiz...
Mas há pessoas que querem falar consigo, ouvi-lo falar.
As pessoas têm direitos aos livros, não têm o direito a nós. Nós somos sempre uma desilusão. As pessoas esperam de nós coisas bestiais, que a gente diga coisas muito inteligentes. A maior parte das vezes não diz. Uma vez, um homem encontrou a Sarah Bernhardt na rua, reconheceu-a e perguntou: «Ah, Vossa Excelência é a Sarah Bernhardt?» Resposta: «Vou ser esta noite.» Quando nos pedem que digamos coisas inteligentes é como pedir a um acrobata para dar saltos mortais no meio da rua.
Ou que estejam sempre a falar dos seus livros. E que estejam sempre a falar de livros. Esta ideia de que os escritores só falam de livros é um bocadinho cansativa, também.
Com o Zé [Cardoso Pires], nunca falávamos de livros. Às vezes, falávamos de outras pessoas, do género «gosto, não gosto». Não passávamos daqui. Por exemplo, ele não gostava do Scott Fitzgerald. Pronto. Dizia que não gostava e pronto, não andávamos muito mais do que isso. Eu gostava do Hemingway, mas eu não tenho, de maneira nenhuma, a paixão que ele tinha.
E gostava de Mailer.
O [Norman] Mailer é uma personagem extraordinária. Estive um semana em Gotemburgo com o Mailer e com o [Günter] Grass. Tinha um humor, aquele homem... O Mailer era engraçadíssimo e tinha um sentido de humor lixado. Eles não percebiam francês e o Mailer não falava francês, mas só discursava em francês. Um francês inventado por ele que ninguém percebia, e ficava tudo ali quieto, durante um quarto de hora, enquanto ele discursava, e no fim aplaudiam. E ele piscava o olho para nós. Piscava o olho para nós e continuava. E os discursos eram todos assim, num francês que não existia, e depois vinha nos jornais suecos que ele tinha feito um discurso interessantíssimo sobre literatura. Ele não sabia dizer uma frase em francês.
António Lobo Antunes, em entrevista a Francisco José Viegas, revista LER, n.º 136, Dezembro de 2014.
Sem comentários:
Enviar um comentário