segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

WINGS OF THE HAWK (1953)



Geralmente apresentado como autor de “westerns curtos, nervosos, convincentes”, Budd Boetticher (n. 1916 – m. 2011) denota em alguns dos seus filmes um lado indulgente que não pode passar despercebido. Além do conhecidíssimo Ranown Cycle, ciclo com o qual catapultou o actor Randolph Scott para o panteão das maiores estrelas de sempre do western, há na sua filmografia um conjunto de obras onde o México surge como palco privilegiado para a encenação de paixões improváveis. Esta opção pelo México projecta a sua própria relação com esse país, uma relação obsessiva com múltiplos encontros e desencontros. Do casamento com a actriz Elsa Cárdenas ao furor pelas touradas, passando pela obstinação colocada na realização do documentário Arruza (1972), são muitos os exemplos de uma convivência empolgada com o país de Emiliano Zapata. Sem quaisquer preocupações documentais, Wings of the Hawk/As Asas do Gavião (1953) transporta-nos, precisamente, para a época da Revolução Mexicana. Um mineiro de origem irlandesa vê-se encurralado entre os interesses de um coronel corrupto e o auxílio que lhe é prestado pelos insurgentes, na sua maioria camponeses mal armados e indefesos. O oscarizado Van Heflin (melhor actor secundário em Johnny Eager, de Mervyn LeRoy) é o enérgico e vigoroso irlandês que acabará por lutar ao lado dos revoltosos contra a tirania do Coronel Ruiz. No início, movido por interesses meramente materiais, pretendia apenas recuperar a mina que lhe fora usurpada por Ruiz. Mas o enamoramento pela rebelde Raquel Noriega fá-lo perder as estribeiras e manda a mina pelos ares numa cena onde estão em causa muito mais do que as ambições meramente egoístas do prospector. Julie Adams, actriz experiente nos ambientes de série B, é a Raquel Noriega que o irlandês desarma no final com o seu gesto épico. Verdade seja dita que não basta a indumentária para fazer de Julie Adams uma rebelde convincente. Desde o início que os coldres cruzados sobre os ombros, os dois revólveres e o sombrero pouco têm que ver com a postura melíflua e sensual da actriz, mas essa é a tal dimensão indulgente que vislumbramos nos filmes de Boetticher e que tanto nos agrada. Os movimentos rápidos da câmara nas perseguições, o travelling da sequência inicial que acompanha o irlandês e o coronel Ruiz na direcção da cabana onde tudo terá início e irá terminar, contrastam com os planos fixos oferecidos ao rosto da figura feminina. É como se Boetticher nos quisesse mostrar com os seus planos enlevados o ouro que o irlandês Gallager está prestes a encontrar, um ouro em forma de mulher. Deste modo, o espectador pode contemplar na figura de Julie Adams, desde a primeira aparição, a beleza e o deslumbre que Irish Gallager e o seu sócio vêem nas pepitas douradas descobertas assim que o filme começa. Há um vagar e um cuidado nestes planos que nos acalma no decorrer da frenética narrativa, são momentos de pausa entre contendas.  As explosões finais, com a mina a ir literalmente pelos ares, celebram um outro encontro, um outro deslumbre, a outra descoberta do mineiro interpretado por Van Heflin. Chegados a este ponto, já nada tem que ver com guerras e revoluções, coronéis corruptos e camponeses indefesos, estamos no território clássico das paixões improváveis. Mas possíveis, assim o queira a obstinação dos amantes.

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