segunda-feira, 30 de março de 2015

METÁFORA INCESTUOSA

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   Numa das cartas comerciadas com Henry Miller sobre o tema insidiosamente desdobrável do Hamlet, Michael Fraenkel confidencia, com algum alarde e muito alarme, a impossibilidade de escrever sem um revólver em cima da secretária; e o próprio Miller diz, noutra parte, que «cada linha é um homicídio com premeditação ou um suicídio». Um arrepio sacrificial percorre desde sempre a literatura. Forçoso lê-lo bem, porque às vezes imprime a caligrafia subtil nos tigres incendiados de Blake, ou nos esplendores florias e submarinos ligeiramente roubados de Hart Crane, ou nas cortinas luminosas e ondulantes de Fitzgerald. Talvez nada exista que não seja uma metáfora incestuosa, agressiva, gloriosa.
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Herberto Helder, in Photomaton & Vox, 3.ª edição, Assírio & Alvim, Outubro de 1995, p. 156. 

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