O quintal da casa dos meus pais é acolhedor. Tem um
limoeiro carregado de limões com aromas inebriantes, tem uma laranjeira proveitosa
com laranjas tão doces e suculentas que parecem impossíveis. Passei por lá há
dias e enchi um saco com limões e laranjas, sentei-me a olhar para as roseiras
brancas, para as hortênsias, para a magnólia. E enquanto refrescava o corpo com
a acidez da limonada, sentei-me a contemplar a vida que floresce na Rua de
Santa Bárbara. Num bairro outrora de mineiros, onde o sol nasce para todos
ainda que nem todos colham nele o mesmo proveito.
Agradeço cada um dos teus ramos e cada folha que neles
desabrocha e resiste. Por ti o vento passe com leveza, que à tua sombra descansem
os filhos desprotegidos. E que neles possas encontrar alento. Se o teu fruto é
a morte, de tal morte vidas brotem. Esperança é palavra vã neste quintal onde
rego o corpo com limonadas, onde me sento a observar o espertar da Primavera. Do
meu testemunho nenhum pólen chegará ao quintal onde te encontras, mas não sou
indiferente à tua passagem. Também de existires o langor dos meus braços se
envergonha.
Mas olho a planta desgrenhada de branco contra o fundo de um
céu limpo e luminoso, sobre ela cabos eléctricos traçam a página com absoluta
inoperância. Os carros estacionados são obsoletos, o gradeamento é uma afronta indesculpável.
Plantas destas deviam crescer no deserto, não é juso que medrem rodeadas de
invejas mesquinhas. Deviam inspirar o mundo para que na alvura das suas folhas pudessem
os homens vislumbrar dias límpidos. Na sombra delas ninguém descansa, a não ser
os olhos estupidamente melancólicos do que em cada um de nós há de poesia.
Esta planta é uma mulher, os seus poemas são escritos com
sangue nos camuflados inconfortáveis. Erguem-se bandeiras sobre a ruína, mais
um centímetro de terra estéril conquistada para que nela possam talvez ser
plantadas outras guerras. O que distingue aquele verde simbólico, pano
esvoaçante, da cabeleira branca que perece no quintal dos meus pais? Tudo é efémero,
tudo é transitório. E no trânsito em que tudo se move as estações demarcam a
rotina. Tanto a mulher como a árvore lutam pelos seus frutos, tanto uma como
outra cumprem o seu destino no regaço das estações.
Liberdade e sobrevivência não cabem em tão débeis
cogitações. Palavras que só de pronunciá-las devíamos sentir vergonha.
1 comentário:
...esmagada!
Enviar um comentário