Os grandes temas do western correspondem aos grandes
temas da história norte-americana: as aventuras e desventuras dos pioneiros, os
conflitos com os índios durante os períodos de migração para o faroeste, a
Guerra de Secessão, o progresso industrial e o aparecimento de cidades
desenvolvidas, a emergência do crime organizado, a oposição entre o mundo rural
e os centros urbanos, a febre do ouro. É neste contexto sociocultural que
podemos observar a germinação de autênticos heróis, nomeadamente os chefes das
nações índias, o cowboy solitários que transportava o gado por trilhos
inimagináveis, os primeiros figurões da lei e do crime, militares, aventureiros,
empresários sem escrúpulos. Trata-se de um período efervescente cujo interesse
recai, sobretudo, sobre os modos informais de organização social e política
numa nação sem cultura ou, se preferirmos, com uma cultura neófita desabrochando
num confuso ventre identitário: índios, colonizadores de origem europeia, africanos,
povos orientais.
Se a linha férrea aparece como símbolo por excelência do
progresso, o velho cowboy transforma-se num resquício do conservadorismo. São
ambos representações do tempo que nos transportam ora para o passado, ora para
o futuro. O búfalo sagrado dos índios arrasta com o seu desaparecimento uma
espécie de ancestralidade perdida. E, com tal perda, instala-se um vazio de
sagrado que a ambição material busca preencher. Porém, durante a Guerra Civil
Americana outros valores se levantaram. Para se compreender um filme como
Shenandoah/O Vale da Honra (1965) todos estes elementos devem ser ponderados,
sobretudo quando nos é colocado à frente um emblemático James Stewart que já
tínhamos visto nos papéis, mais ou menos cruciais, de político em ascensão (The Man Who Shot Liberty Valance, 1962) ou cowboy voluntarioso (The Far Country,
1954).
O realizador Andrew V. McLaglen (n. 1920 – m. 2014), que
trabalhou para John Ford como assistente de realização, oferece a James Stewart
um papel de maturidade. A acusação de excessiva convencionalidade é descabida,
bastando para desmontá-la o facto simples de numa família com sete homens e
duas mulheres só um elemento ser ágil no gatilho: a única filha de Charlie
(James Stewart) numa prole de sete. Charlie é um agricultor bem-sucedido,
viúvo, pai de família exemplar, orgulhoso dos filhos e da nora, zeloso dos seus
e da sua propriedade. Quando a guerra lhe bate à porta, mantém-se neutro (posição
tão difícil de sustentar como qualquer outra). Não tem escravos, nunca sentiu
necessidade de os ter, tudo o que tem é fruto do seu trabalho, faz questão de o
sublinhar, e, por isso mesmo, procura manter-se à distância numa guerra que se
aproxima. Resolverá apenas intervir quando o filho mais novo é acidentalmente
capturado e feito prisioneiro pelo exército do norte. Charlie partirá então com
a família em busca do mais novo.
Tema recorrente nos
relatos do Velho Oeste, a busca de desaparecidos, os desencontros, as
separações, é filmado por McLaglen com cativante ritmo narrativo. Há momentos
de suspense e pausas emocionais em doses equilibradas. Mas o que mais se eleva
em Shenandoah é o valor da família, o tal outro valor que a guerra civil
exaltou de forma radical. Escusado será dizer que a união familiar nunca posta
em causa neste filme, apesar de ligeiras divergências entre o pai e um dos
filhos, serve de contraponto à desunião da família norte-americana durante a
guerra. É precisamente essa desunião a causa das tragédias, da tristeza e da maldade
que a história configura. Nesse sentido, podemos dizer que a transfiguração do bem
processada ao longo do filme se faz em contraposição ao mal. O final feliz é ilusório,
na medida em que não pode ser isolado de uma história onde um dos filhos foi
brutalmente assassinado, outro foi morto por acidente e a nora violada até à
morte.
Aí temos um western intenso sem pistoleiros nem sheriffs implacáveis,
sem índios selvagens nem cowboys solitários, mas com uma família simples a tentar
manter-se unida e serena entre o caos que a rodeia. Sem tomar partido na
guerra, Charlie é uma das suas vítimas — aquilo a que hoje os especialistas
chamam dano colateral. O seu heroísmo não vem do coldre que não usa, vem de
saber amar depois de ter gostado, de ter gostado muito. E de tudo fazer para
preservar esse amor. Vem da sua determinação.
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