sábado, 7 de março de 2015

UM POEMA DE MANUEL DE CASTRO

 
MONOGRAFIA BREVE
 
Penetro no coração lívido desta cidade
e no seu hálito compacto
cinzento, grave,
neste céu cantante e sólido
como o homem que em mim caminha,
que através de mim caminha
entre vozes de paz, de guerra e de loucura.
 
No seu hábito monástico quase triste
eis como a cidade desenrola
uma desconexa história sem mãos:
 
viverás bebendo cerveja,
aprendendo a inclinação da mente
no seu fio oscilante,
e serás surpreendido, de quando em quando,
pelo facto - no seu fio oscilante -
de viveres.
Talvez escrevas um pouco, talvez
encontres sombra na grafia
dos nervos, dos sons, das gotas de chuva
que humedecem os cabelos da terra
e desejes cortar afiada
vagarosamente
palavras
ou o auto-retrato de Philipp Otto Runge.
 
Hamburgo, Agosto 1963
 
 
Manuel de Castro, in Bonsoir, Madame, Alexandria/Língua Morta, pp. 1954-195, Dezembro de 2013.

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