O corruíra é um pássaro muito popular nas Américas, presença frequente nos contos de Dalton Trevisan. Tal como a broinha de fubá
mimoso, surge obsessivamente entre páginas que nos oferecem uma panorâmica de
Curitiba a partir de gente comum. Um dos aspectos que mais me agrada no universo
desenhado por Trevisan é a quase ausência de intelectuais, escritores,
artistas, nos seus contos, inclinando-se a prosa para o quotidiano de gente
socialmente fragilizada mas com vidas e experiências excepcionais. Seu João, Zé
Pelintra, Pomba Gira, Preto Velho, Julinha, Rosinha, Gracinda, Pestana, são
parte integrante de um espaço onde ocorrem amiúde crimes passionais,
desentendidos domésticos, situações caricatas e picarescas, mas também momentos
de profunda consternação e uma atenção social muito particular: a de quem se
afasta para ver melhor. Prostitutas, malandros, maridos traídos, mulheres caídas
em desgraça, velhos, inválidos, anões, pobres, crianças, loucos, órfãos, gente aparentemente frágil e debilitada, sobreviventes, reflectem a existência humana na sua dimensão
mais corrente. Nanica é uma coisa pequena, certo. Mas é também o nome de uma espécie
de banana que, ao contrário do que o nome indica, não tem nada de pequena. Assim
as sínteses de Trevisan, alimento para a alma temperado de ironia, humor negro,
olhar microscópico. Como qualquer síntese, são pequenas apenas em aparência. Para
lá chegar é preciso muita insónia:
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O velho em agonia, no último gemido para a filha:
— Lá no caixão…
— Sim, paizinho.
— …não deixe essa aí me beijar.
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A chuva engorda o barro e dá de beber aos mortos.
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Como dormir se, para os mil olhos da insônia, você tem só
duas pálpebras?
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O velho:
— Acordo às três da manhã. Daí começo a brigar.
— Com quem?
— Com a minha cabeça.
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