Da mesma geração que Henry Hathaway (n. 1898 – m. 1985) ou John
Ford (n. 1894 – m. 1973), com quem partilhou créditos em A Conquista do
Oeste/How the West Was Won (1962), George Marshall (n. 1891 – m- 1975) nunca
logrou a mesma fortuna crítica dos seus parceiros. Na realidade, a sua vastíssima
obra pouco mais tem merecido do que breves, e por vezes injustas, notas de
rodapé. A Cidade Turbulenta/Destry Rides Again (1939) é um dos seus filmes mais
reputados, tendo como estrelas James Stewart, que disputa com John Wayne, Henry
Fonda, Randolph Scott, o título de melhor actor western de todos os tempos,
e a alemã Marlene Dietrich. Não é o primeiro filme com Dietrich de que falo
aqui, sendo de todo recomendável a revisão de O Rancho das Paixões/Rancho Notorious (1952) — provavelmente um dos meus 10 filmes preferidos desta lista. 13
anos separam as duas obras, os quais apenas serviram para amadurecer o encanto
e a sensualidade da vedeta de Kabarett.
O plot de Destry Rides Again não difere daquele que veremos em inúmeros westerns subsequentes. Uma
agitada cidade do Velho Oeste, com o curioso nome de Bottleneck (engarrafamento
de trânsito, gargalo da garrafa), está entregue a um munícipe corrupto que faz
parelha com o dono do mais turbulento saloon local. Ao tentar resolver um
conflito de poker, o sheriff da cidade é assassinado e o seu corpo escondido. O mayor
faz chegar à população a notícia de que o sheriff se ausentou por tempo
indeterminado, nomeando para substituto o maior bêbado das redondezas. Sucede que
este, ao contrário do esperado, muda radicalmente de atitude e chama para o
ajudar Tom Destry Jr. (James Stewart), filho de um antigo e reputado homem da lei
sobre o qual recaem as maiores expectativas.
Há vários focos de interesse no
decorrer da narrativa. Primeiro, o retrato absolutamente caricatural da cidade.
O frenesi é constante, com grupos de cowboys aos tiros para o ar, envolvendo-se
à porrada, antro caótico de bêbados, inferno sem emenda. A chegada da personagem interpretada por Stewart deixa-nos estupefactos e incrédulos. Tom Destry Jr. é um cavalheiro que procura
ultrapassar os problemas através da razão, não usa armas, acredita na lei, pede
um copo de leite ao balcão do saloon (para previsível galhofa dos presentes). A sua arma
mais poderosa é a inteligência. Em terreno de brutos, resta saber quão
suficiente será. Temos, portanto, um homem sensato entre gente corrupta, corrompida,
perversa, estúpida, viciosa, vigarista. Não muito diferente do cenário que
tantas vezes ainda hoje nos incomoda.
Num segundo plano, a personagem interpreta
por Dietrich problematiza a separação entre os dois campos da barricada. Marshall
evita, desse modo, uma perspectiva monoteísta do mundo, a qual não pode ser alienada
do tempo histórico em que o filme aparece. Estamos em 1939, Dietrich é alemã,
ao lado de Destry estará também um ajudante de origem russa (Boris, interpretado
por Mischa Auer). Aliás, a tirada final, de uma ironia arrojada para a época, é
sobre o comportamento agravado dos russos, quando Boris quer substituir um
retrato seu por um do ex-marido da sua mulher que permanecia indevidamente no
quarto onde acordava todos os dias. Há uma dimensão cómica nestas personagens
que não passa despercebida, a qual atinge proporções épicas em inúmeras cenas. Recordo
apenas, até pelo que acabei de referir, aquela em que Dietrich se envolve numa
briga com a mulher de Boris, sendo separadas depois de Destry largar sobre
ambas um balde de água fria.
Mas há igualmente um lado trágico, sobretudo em
Frenchy (Marlene Dietrich), astro dos palcos que encanta, seduz, manipula,
excita homens que à sua beira parecem fantoches. Na origem do problema, Frenchy
acabará por estar igualmente na solução. É uma espécie de equilibrista entre o mal
e o bem. Penderá, ainda que fatidicamente, para o bem. Mas para que tal fosse
possível, a aproximação entre ela e o novo sheriff era indispensável. Isso
acontece quando Destry tem Frenchy nos braços e lhe diz: «Aposto que por trás
dessa maquilhagem está um lindo rosto. Por que não experimenta limpá-lo um dia
e ver como fica. E veja se descobre como o manter limpo». Voltarão os dois a
estar nos braços um dos outro, numa das sequências finais, quando Frenchy,
atingida pelas costas, limpa com a mão agónica o batom dos lábios para beijar Tom
Destry Jr.. E é tudo.
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