Eu ainda sou do tempo em que o Presidente da República
enchia a boca com a palavra frugalidade enquanto, no dia da raça, erguia a
bandeira nacional do avesso. Sou do tempo em que os governos recrutavam na
blogosfera, Francisco José Viegas era secretário de estado da cultura e tinha
dívidas ao fisco desvalorizadas por São Bento. Sou do tempo em que Eduardo
Catroga era amigo de Passos Coelho, os portugueses aguentavam aguentavam e
divertiam-se com pentelhos, a Celeste Cardona estava bem empregada e os
jornalistas comiam nas fuças sem dizer água vai. Eu ainda sou do tempo em que o
bom Governo de Portugal se preocupava mais com os fumadores passivos do que com
os doentes nos hospitais, o Grupo Espírito Santo era fiável, a República tinha
na Assembleia uma presidente reformada aos 42 anos (só bons exemplos). Sou do
tempo em que isto era possível com a maior das naturalidades: «o homem mais rico de Portugal, Américo
Amorim, foi eleito na terça-feira presidente do Conselho de Administração da
Galp, e leva consigo a sua filha, Paula Ramos Amorim, que ocupará o cargo de
administradora não-executiva, com direito a um salário anual superior aos 45
mil euros. Recorde-se que, em 2008, a filha de Américo Amorim foi notícia pela
acusação de fraude fiscal, quando vendeu um palacete, no Porto, a Filomena
Pinto da Costa». Sou do tempo em que o Pingo Doce comemorava o 1º de Maio
reduzindo trabalhadores e clientes ao estatuto de animais, do tempo em que as
soluções para a economia passavam por exportar mais partéis de nata, o ministro
da tutela dizia “coiso”, Miguel Relvas não podia sair à rua sem que o mandassem
estudar. Sou do tempo em que o mesmo Miguel Relvas pedia desculpa por ameaçar
jornalistas com a divulgação de dados sobre as suas vidas privadas, sou do
tempo das grandoladas ao bom governo de Portugal. Sou do tempo em que o
empreendedorismo era Bíblia, sugeria-se aos portugueses que emigrassem para
posteriormente lhes pedirem que regressassem a troco de esmolas, do tempo em que
os deputados faltosos do PSD queriam combater a parca assiduidade dos alunos com
multas e trabalhos a favor da comunidade. Eu ainda sou do tempo em que o
Primeiro-ministro impunha um confisco aos portugueses sem se lembrar de pagar
as dívidas que o próprio tinha à Segurança Social, por ter trabalhado para uma
empresa fantasma que lhe pagava com ajudas de custo (bons exemplos, por certo,
aprendidos com esse exemplo de homem chamado Dias Loureiro). Sou do tempo em
que os amigos eram todos muito amigos do seu amigo, Arnaut chegava a administrador
da REN, Dias Loureiro gastava fortunas com os vestidos da mulher, os condenados
do BPN eram contratados como directores de fundos criados pelo Estado, Passos
Coelho dizia que acabar com o 13.º mês era um disparate, o ex-ministro Gaspar
dirigia-se aos portugueses, do alto da sua sabedoria, para explicar as virtudes
da austeridade e como tínhamos andado a viver acima das nossas possibilidades,
pretendendo reduzir as gorduras do estado sem melindrar os bons amigos de seu
amigo. Sou do tempo em que os portugueses saíam para a rua aos milhares, aos
milhões, em Março, Setembro, etc., para que tudo continuasse na mesma. Sou do
tempo em que a Helena Matos e a Isabel Jonet eram um must, o Dono Disto Tudo não
era bem a formiga que Miguel Macedo desejava, Paula Maria von Hafe Teixeira da
Cruz prometia acabar com a impunidade apoiando-se num CITIUS que mais parecia
um coitos interruptus (também pediu desculpa). Sou do tempo em que o
Primeiro-ministro se estava a lixar para as eleições, chamava piegas aos
portugueses, Marques Mendes chamava assalto à mão armada ao gulag fiscal do governo e Bagão Félix apelidava-o de napalm fiscal, enquanto os portugueses,
assaltados, agredidos, massacrados, se comoviam com um ministro das finanças
que tentava devolver ao país o custo que este teve com a sua educação. Eu ainda
sou do tempo em que Miguel Relvas norteava a sua vida pela simplicidade da
procura do conhecimento permanente, Nuno Santos estava na RTP, um co-autor de
relatórios do FMI laborava sobre pseudónimo para poder pagar-se a si próprio
pela excelência dos seus relatórios, Ricardo Salgado esquecia-se de declarar
8,5 milhões ao fisco, o impulso jovem tinha muito punho, a ministra da
Agricultura rezava para que chovesse, Paulo Portas demitia-se irrevogavelmente,
Paulo Portas afinal não se demitia, um rapaz era esfaqueado por causa de um fio
de ouro, outro era espancado por causa de uns óculos de sol, outro era
assassinado sabe-se lá porquê, outro era esbofeteado, do tempo, do tempo, sou
do tempo em que o Ministro da Educação também pedia desculpa. Este tempo, sou
deste tempo, eu ainda sou. E há tempos perguntava o que agora volto a
perguntar: querem apostar comigo que este será o tempo do mesmo povo que,
depois de suportar Salazar durante 50 anos e Cavaco durante 20, irá
masoquistamente voltar a legitimar no poder esta companhia de ignóbeis actores?
4 comentários:
Fogo! És mesmo velho.
Ler o seu texto e saber que é verdadeiro, é muito deprimente, uma sexta feira santa no completo de si mesma.
eu sou do tempo em que os ministros se tornaram erros de informática :D saúde e bjs para toda a tribo
Sou do tempo das listas VIP.
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