Minha querida Marguerite Yourcenar, escrevo-te de um lugar
no norte do meu país. Lembrei-me das tuas palavras, sempre tão sábias, ao
chegar aqui. Dizias: “Talvez nos tenhamos habituado de mais à ruína e aos
ferimentos”. Isto mesmo sinto agora aqui sentado sobre uma pedra coberta de
musgo, uma pedra que não consigo perceber se outrora integrou o que sobra do
Mosteiro ou se veio aqui parar posteriormente ou se sempre aqui esteve.
Pressinto, porém, que alguém antes de mim também aqui se sentou, porventura a
escutar, como agora eu escuto, a água que corre no rio e há-de formar uma
cascata além, para deslumbre de quem se aventure no interior da floresta.
Escuto os pássaros, os insectos, o vento que afaga as folhas das árvores e
alimenta as almas recolhidas em meditação. Não sei que ferimentos perduram
nestas pedras, mas creio ter-me habituado à ruína quando isolado
experimento os poucos minutos de alegria que a vida ainda me concede. Talvez eu
seja um lobo e estas ruínas o fojo onde fui capturado, para que entretanto o
quotidiano me volte a matar com pauladas de obediência e de servidão,
exigindo-me servilismo e boca calada. Neste lugar o silêncio fala por mim,
entre o que sinto e as ruínas onde me encontro estabelece-se um elo indiferente
às palavras, um elo que não carece de representações nem de estilos apócrifos
nem de reconstituições ou decalques. Fala deste modo por nós o tempo, uma
sintaxe invertida na rugosidade das pedras há muito aqui paradas em repouso. Um
repouso que agita a imaginação e esclarece os mortos que trazemos dentro.
Reparo no cemitério com meia dúzia de campas, reparo que não está completamente
abandonado. Alguém ainda aqui virá visitar restos mortais guardados pela ruína enquanto
a água continua a cumprir o seu curso, as aranhas tecem suas teias, os pássaros
enchem o espaço de música e a tudo isto chamamos a natureza a respirar.
3 comentários:
Pitões das Junias, que belo local, que local. Já lá estive várias vezes, que local! Ao ler-te cresce em mim a vontade de voltar, vou voltar e naquele retiro almoçar.
Abraço Henrique,
Francisco
que belo, Henrique
Rapaz Francisco, como diz a outra: ir é o melhor remédio.
Maria, é sossegado; logo, é belo.
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