terça-feira, 7 de julho de 2015

RUÍNAS DO MOSTEIRO DE SANTA MARIA DAS JÚNIAS

Minha querida Marguerite Yourcenar, escrevo-te de um lugar no norte do meu país. Lembrei-me das tuas palavras, sempre tão sábias, ao chegar aqui. Dizias: “Talvez nos tenhamos habituado de mais à ruína e aos ferimentos”. Isto mesmo sinto agora aqui sentado sobre uma pedra coberta de musgo, uma pedra que não consigo perceber se outrora integrou o que sobra do Mosteiro ou se veio aqui parar posteriormente ou se sempre aqui esteve. Pressinto, porém, que alguém antes de mim também aqui se sentou, porventura a escutar, como agora eu escuto, a água que corre no rio e há-de formar uma cascata além, para deslumbre de quem se aventure no interior da floresta. Escuto os pássaros, os insectos, o vento que afaga as folhas das árvores e alimenta as almas recolhidas em meditação. Não sei que ferimentos perduram nestas pedras, mas creio ter-me habituado à ruína quando isolado experimento os poucos minutos de alegria que a vida ainda me concede. Talvez eu seja um lobo e estas ruínas o fojo onde fui capturado, para que entretanto o quotidiano me volte a matar com pauladas de obediência e de servidão, exigindo-me servilismo e boca calada. Neste lugar o silêncio fala por mim, entre o que sinto e as ruínas onde me encontro estabelece-se um elo indiferente às palavras, um elo que não carece de representações nem de estilos apócrifos nem de reconstituições ou decalques. Fala deste modo por nós o tempo, uma sintaxe invertida na rugosidade das pedras há muito aqui paradas em repouso. Um repouso que agita a imaginação e esclarece os mortos que trazemos dentro. Reparo no cemitério com meia dúzia de campas, reparo que não está completamente abandonado. Alguém ainda aqui virá visitar restos mortais guardados pela ruína enquanto a água continua a cumprir o seu curso, as aranhas tecem suas teias, os pássaros enchem o espaço de música e a tudo isto chamamos a natureza a respirar.

3 comentários:

rapaz disse...

Pitões das Junias, que belo local, que local. Já lá estive várias vezes, que local! Ao ler-te cresce em mim a vontade de voltar, vou voltar e naquele retiro almoçar.

Abraço Henrique,

Francisco

maria disse...

que belo, Henrique

hmbf disse...

Rapaz Francisco, como diz a outra: ir é o melhor remédio.

Maria, é sossegado; logo, é belo.