São imensas as pragas deste Verão. Algumas vêm repetindo-se
fastidiosamente ao longo dos últimos anos. Assim de repente, ocorrem-me as
festas temáticas tipo anos 80 ou a beatífica noite branca para expurgar paixões assolapadas e traições balneares. Sem esquecer, como é
óbvio, as inumeráveis recriações medievais que poluem o país de Norte a Sul. Combinadas,
até porque faz sentido combiná-las (tipo recriação medieval dos anos 80 em
noite branca), temos o Inferno à porta. Presumo que no bar deste Inferno a
caipirinha tenha sido destronada pela moda do Gin, preparado com mais hortofrutícolas
do que álcool. A saúde agradece. E por falar em saúde, lembrando que há
muito declarámos o desinteresse das pessoas saudáveis, não podemos deixar de
referir uma das pragas mais terríveis deste ano, a qual se manifesta em duas
vertentes: a dos masterchefes e a dos nutricionistas. Onde quer que estejamos,
temos de aguentar a bronca. Em cada português parece existir hoje um cozinheiro
de primeira e um especialista em vida saudável, nomeadamente no que respeita a
produtos alimentares. Ao pé disto, os cartazes do Partido Socialista são um
entretém para distraídos. Só quem não percebe ou não quer perceber a sociedade em
que vive é que pode julgar foleiros aqueles cartazes, eles limitam-se a reproduzir
o universo de palermice em que vamos orientando as nossas vidinhas inúteis. Que melhor prova disto mesmo podemos exigir? O tempo perdido a discutir os cartazes quando devíamos andar a discutir políticas? Se não chega, façam
uma pausa, sentem-se na esplanada mais próxima, e observem o rol de tatuagens
pindéricas que proliferam pelos corpos dos portugueses. Há toda uma conceptualização
da inestética que se expõe e patenteia da nuca com diabinhos aos calcanhares
com ramos de noiva. Mas entre tamanhas pragas, a mais ameaçadora é a dos
surfistas. Milhares de pranchas espalhadas entre a Praia do Amado e Monte Clérigo
assustam qualquer veraneante habituado a mais do que dois centímetros quadrados
de areia onde estender toalha e enfiar um chapéu-de-sol. A gente olha para as
praias do alto da mais alta falésia e parece que foram invadidas por enxames de
mosquitos que bóiam nas águas. O espectáculo é tanto mais degradante quanto
podemos verificar não terem tais águas quaisquer ondas onde os "mosquitos" possam
fazer aquilo que era suposto fazerem, ou seja, surfarem. Porque, se bem
entendo, surfar é um tipo apanhar o balanço de uma onda e meter-se de pé, tal homo
erectus, em cima de um pedaço de madeira especificamente preparado para o
efeito. Ou então estou desactualizado, talvez com o acordo ortográfico surfar tenha
passado a ser uma designação para boiar em águas mansas, sugerindo-se indumentária
a preceito, jipe de tracção nas quatro rodas e amigas muita doidas no lugar do
pendura, produzidas para a praia como se fossem para a festa da noite branca,
carregando nos sacos floridos variadíssimos bronzeadores e um exemplar de A
Dieta dos 31 Dias - já que o personal trainer não coube no saco, teve de ficar
no ginásio onde as meninas passaram o resto do ano a enrijecer músculos entre
os quais caibam cuecas fio dental. Hippies no Verão, yuppies durante o resto do
ano, poderão pelo menos por alguns dias desfrutar do melhor que a Natureza
tem para nos oferecer. Onde não se inclui, claro está, o preço da imperial no
bar ao lado da escola de surf.
7 comentários:
Estás a ser meigo. Faltam os omnipresentes motores das motos de água; aquela irritante mania de andar em pé em cima de uma prancha com temos; gente que nos aborda de dois em dois minutos para saber se queremos bolas, vestidos de praia foleiros e malas contrafeitas; multidões a andar de um lado para o outro junto à beira mar a falar com um telemóvel que infelizmente nunca chega a cair à água; avioezinhos a cada cinco minutos a anunciar desde circos a festas em discotecas; restaurantes superlotados que servem metade das doses de inverno e com o dobro da antipatia e ... cereja no cimo do bolo para quem tem o azar de trabalhar numa zona balnear ... o stress, a má disposição e a selvajaria no trânsito que Lisboa transfere para aqui.
Felizmente, não frequento esses adros. :-)
Esqueci-me dos piercings; das mães que gritam; dos pais que dizem palavrões; das velhas em top less; do ar irritante dos nadadores salvadores que agora são alugadores de toldos; da falta de lugares de estacionamento em frente a casa; dos veraneantes que acham boa ideia irem para a varanda por baixo da minha assar coisas e fazer muito fumo; dos que ocupavam o andar superior e porque que estão de férias dispensam-se de usar cinzeiros; da malta que regressa dos bares às seis da manhã e grita no meio da rua e daqueles que levantam todo o dinheiro dos multibancos antes de mim.
Aproveito para dizer que compro informações sobre dança da chuva ou qualquer outro tipo de mezinha que corra com este povo todo daqui para fora e me devolva o raio da estância balnear vazia e a praia limpa.
Para que a esperança não te abandone, toma um conto lido durante as férias:
Cuento de otoño
Era bastante mayor que yo y no íbamos a vernos nunca más. Alrededor de nosotros, lo que quedaba del verano era ya sólo un cadáver cubierto de sangre amarillenta y ocre. Me dijo algo en su idioma, acarició mi cara, me dio un beso rápido. Entonces sentí por vez primera el dolor del otoño.
José María Merino, "Cuentos del libro de la noche", Alfaguara, 2005.
Maravilhoso!
Até já me sinto melhor!
Já me ri à fartazana. Grande texto, obrigado.
João.
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