sábado, 10 de outubro de 2015

A LÓGICA DO VALOR


(...) A sociedade mercantil trabalha no sentido do seu próprio colapso. Aquilo que a condena não é o simples facto de ela ser má, uma vez que as sociedades precedentes eram igualmente más. Foi a sua própria dinâmica que a empurrou para o desastre completo.
   Uma grande parte do pensamento que nos nossos dias se diz anticapitalista, ou emancipador, recusa obstinadamente tomar nota desta nova situação. As «lutas de classes» no sentido tradicional e aquelas que as substituíram no decurso do século XX (as lutas dos «subalternos» de toda a espécie, das mulheres, das populações colonizadas, dos trabalhadores precários, etc.) são antes conflitos «imanentes» que não vão além da lógica do valor. No momento em que o desenvolvimento do capitalismo parece ter atingido os seus limites históricos, essas lutas arriscam-se muitas vezes a limitar-se à defesa do status quo e à procura de melhores condições de sobrevivência para os próprios no interior da crise. Trata-se de algo perfeitamente legítimo, mas defender o seu salário ou a sua reforma não conduz de forma alguma, em si, à superação de uma lógica fetichista em que tudo está submetido ao princípio da «rentabilidade», em que o dinheiro constitui a mediação social universal e em que a própria produção das coisas mais importantes pode ser abandonada se não se traduz em «valor» suficiente (e, portanto, em lucro suficiente). Nunca foi tão insensato exigir «medidas em favor do emprego» ou defender os «trabalhadores» pelo facto de serem eles que «criam o valor». É necessário antes defender o direito de cada um a viver e a participar dos benefícios da sociedade, mesmo se ela ou ele não teve sucesso na venda da sua força de trabalho.

Anselm Jappe, in O que é o Fetichismo da Mercadoria? E Pode Acabar-se com Ele?, prefácio a O Fetichismo da Mercadoria e o seu Segredo, de Karl Marx, tradução de José Miranda Justo, Antígona, Julho de 2015, pp. 29-30.

2 comentários:

Inév Vie disse...

'Nunca foi tão insensato exigir «medidas em favor do emprego» (...) mesmo se ela ou ele não teve sucesso na venda da sua força de trabalho.'


Na minha ignorância exulto as duas últimas frases deste excerto. Exulto, sim exulto, apenas por viver, observar e sentir, por ser talvez e seguramente diferente desses, porque sem emprego sei que trabalho mais e engano menos do que muitos que o têm, que cumprem horário e se dedicam-se a intrigas, disfarces, troca de influências e abusos de poder, mesquinhos ou perturbadores.

Vivo, observo, sinto e recuso-me a aceitar que é assim, que sempre foi assim e que terá que ser assim. Recuso-me a cegar enquanto vejo, recuso-me a estar morto enquanto vivo, recuso-me a aceitar o que é, só por ser, por sempre ter sido e por ter que continuar a ser.

Ouço o líder a CGTP como que numa atitude de rebeldia e de força a exigir quinhentos e tal euros de ordenado mínimo e solto em voz alta, pede dois mil! pede dez mil, pede em Escudos!

Ouço por todo lado o típico 'vai mas é trabalhar, malandro. Vai ser explorado como eu! ou vejo a frase exposta nas paredes de algumas tascas, que inverto em sinceridade 'desejo-te metade daquilo que desejo para mim' ou 'desejo-te a minha desgraça a dobrar' Assim deveria ser, corrigida.

Ver no meio de cegos, nunca me fez querer cegar, sonho com que todos possam ver, ou seja, o cego sou eu.

O ser humano é o animal mais egoísta que existe, alguns por defeito, não o são completamente. Sofrem, sofrem as suas dores e as dos outros, até as dores dos seus inimigos, como escreveu Torga.


Saudações, abraço
e desculpa o abuso.

Inév

hmbf disse...

Obrigado pelo comentário.