A imagem ao alto reproduz os resultados das eleições
legislativas de 2011. Em números redondos, podemos dizer que dos 9 milhões e
meio de votantes apenas 5 milhões e meio foram votar. Pouco mais de metade. Dos
que votaram, 2.813.729 ofereceram a sua confiança aos partidos que se coligaram para
governar. 2.774.865 votaram ou noutros partidos, ou em branco, ou nulo. Somados
aos que não votaram, estes resultam na módica quantia de 6.810.404. Ou seja,
quase sete milhões de nove mil e seiscentos milhões de votantes não se reviam
nos partidos da coligação que governou. A democracia é isto. Não governa quem
tem o apoio da maioria dos governados, mas quem recebe a maioria dos votos. Não
votar é, por isso mesmo, um gesto de cumplicidade para com o sistema. Ao contrário
do que julgam os néscios (e eu julguei-o em tempos), não votar significa aceitar
o sistema tal como ele está engendrado. Em democracia, votar é fundamental.
Seja no PCTP/MRPP, seja no P.H., todos os votos são úteis.
A ideia de que só o
voto nos chamados partidos de poder (PPD/PSD e PS) é voto útil sempre me foi
estranha. Hoje em dia é-me ainda mais estranha. Por exemplo, ontem assisti na
SIC Notícias a um debate moderado por Ana Lourenço com Francisco Louçã (B.E.),
Bagão Félix (CDS-PP), Ângelo Correia (PPD/PSD) e Pedro Silva Pereira (PS) e,
mais uma vez, vi-me obrigado a perguntar por que razão não estava ali ninguém a
representar a quarta força política mais votada em 2011. A coligação PCP-PEV tem
só o dobro dos mandatos que o B.E.. No entanto, é comum ver convidados do B.E.
onde nunca está um representante da CDU. A páginas tantas, Ana Lourenço afirma que «o PCP sabe que quando estiver no poder começa a se desagregar». A
afirmação da jornalista é sintomática de um tipo de preconceito que está na
mesma origem do triste discurso que suporta a ideia do voto útil. Ana Lourenço
não só sabe o que acontecerá ao PCP quando estiver no poder, como sabe, ou
julga saber, o que o que o PCP sabe. E sabe isto tudo não tendo ninguém do PCP à
sua frente para o poder desmentir. No fundo, ela sabe o que sabem os pregadores
do voto útil: que é melhor mudar para que tudo fique na mesma.
Como eleitor do
PCP, esta história toda parece-me sempre muito deprimente. Traduz uma leitura
enviesada da democracia. E a democracia portuguesa, goste-se ou não, tem sido
partilhada, com a cumplicidade dos tais nulos, abstencionistas e eternos
insatisfeitos da indolência, pelos interesses das coutadas PPD/PSD e PS, coadjuvados
pela interesseira cumplicidade do CDS-PP. Isto é inegável, tal como parece hoje
inegável a futurologia do banqueiro Fernando Ulrich quando dizia que o país aguenta
mais austeridade. Ai aguenta, aguenta!, proferia o banqueiro para indignação
de uns quantos patetas que jamais perceberão o povo entre os quais também se
incluem. O povo que enche shoppings ao fim de semana, idolatra os Carreira, ama a Teresa Guilherme, compra o Correio da Manhã, se alimenta de Fátima, futebol e festivais. Não só aguenta mais austeridade, como se prepara para agradecê-la. Afinal,
mais austeridade significa ter mais pobreza para lamentar. A malta adora lamentar e ser caridosa, contribuir para a causa da Jonet, para o Natal dos Hospitais e para a sopinha dos indigentes. A malta sente-se recompensada com o mal dos pobrezinhos.
A tadinhice e o
masoquismo portugueses são de uma resiliência impressionante. Como se
explicaria termos aguentado 40 anos de ditadura? E 20 anos de Cavaco? Aguentamos,
aguentamos. Aguentamos um Vice-primeiro-ministro troca-tintas que ora se demite
irrevogavelmente, ora fica para estender a passadeira. Aguentamo-lo sob
suspeitas submarinas, surdas, mudas, cegas, à moda da justiça portuguesa. Aguentamos
a ministra que deixou o país em estado de Citius depois de ter prometido acabar
com impunidades nunca explicadas. Talvez as de um Primeiro-Ministro mentiroso
como nunca se viu. Pedro Passos Coelho não só mente com quantos dentes tem
quando promete não cortar onde depois corta, quando promete não inflacionar
onde depois inflaciona, mas mente descaradamente quando se vê no lugar do hipócrita
que não faz o que diz nem o que obriga os outros a fazer. São os do seu partido que o dizem: Pacheco Pereira ou Manuel Ferreira Leite...
Para os portugueses
que vão votar PÀF (e para os que não vão votar) a Tecnoforma nunca existiu, as
dívidas do Primeiro-Ministro à Segurança Social são um assunto irrelevante, as
ajudas de custo são o típico Chico-espertismo que “qualquer um de nós” aproveitaria
fosse-lhe concedida a facilidade, os milhões que saíram à rua grandolando
Relvas regressaram a casa para se esquecerem de que existem num país onde são
mais os que emigram do que os que nascem, aceitam como se nada fosse que José
Gomes Ferreira, o pseudo-jornalista-pseudo-político, faça tempo de antena de
uma entrevista ao principal líder da oposição, já esqueceram e perdoaram os
pedidos de desculpa de Nuno Crato e a ruína do ensino público, estão-se nas
tintas para Vistos gold (coisa de ricos) e listas Vip (se pudesse, também
queria). Não me espanta os que votam por clubismo. Pusessem um macaco onde está
Passos, haveria sempre uns quantos mil a votar no seu clube de preferência. O
que me espanta é tanta gente desagradada, queixosa, indignada, que na hora da
verdade se mostra amorfa, letárgica, passiva, comodista, indiferente, apática, inerte,
desinteressada, negligente. Será possível que isto não conte, que isto não
pese?:
2 comentários:
Nem me tenho chateado por aí além com as eleições e com as agora chamadas(tracking) polls diárias - de quem está empenhadíssimo, pudera, com tanto dinheiro em jogo, e o quinhão que aí vem, a começar pela Segurança Social... - e com o PAF e com a obscena absoluta nojenta propaganda porque, caraças, é tão óbvio, tão estupidamente óbvio para mim esta vilanagem não ser eleita (já nem digo corrida a pontapé...), esta cambada de criminosos que um povo (isto tirando tu e eu e muitos dos nossos e dos "nossos") capaz de eleger esta trupe de capones de quinta só pode merecer toda a desgraça que sobre eles se abata. Não, não gastei nem vou gastar mais um segundo que eu tenho tão bem gasto nos últimos tempos com o que agora não vem ao caso. É que nem um telejornal mais os seus tristes "diários de campanha" sempre à cata do erro do Costa - em quem aliás não vou votar. Isto para dizer: não temos censura, sofremos o que sofremos estes anos, penamos o que penamos, 300 mil jovens emigraram, o desemprego, toda a miséria, enfim, mais um desenho? Para quem só agora tenha acordado a internet existe, está tudo escarrapachado, as próprias televisões têm botões para desligar... Perdoa-me o tom, mas estes gajos ganham só quero mais é que este povo se ferre. É porque merece. Um povo assim só tem mais é de se lixar à grande. É demasiado estúpido. Mas quem é que reelege um Passos Coelho? Quem dá uma segunda oportunidade a um arrivista deste quilate? Quem?
Caro amigo Henrique, obrigada por mais esta leitura lúcida ( desculpa o pleonasmo).
grande abraço e depois de Domingo, como cada dia, a luta continua.
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